Catástrofes políticas e disputas
sociais à parte, vivemos numa época privilegiada, mesmo que poucos
se deem conta disso. Foi nessa geração que pudemos visitar todos os
mundos do nosso sistema solar, de Marte a Plutão, incluindo muitas
das luas que circundam os planetas gigantes. Bom lembrar que, se
temos apenas nossa preciosa e inspiradora Lua, Júpiter e Saturno têm
mais de sessenta objetos gravitando à sua volta. Esses mundos, cada
qual com suas propriedades, é um experimento astronômico único, em
que a gravidade vira alquimista e, atuando juntamente com as ações
da temperatura e da pressão, transforma aglomerados de matéria em
planetas com oceanos, vulcões, cânions, desertos, furacões,
tempestades de areia, e, ao menos no nosso, uma profusão de seres
vivos.
Claro, curiosos que somos, não ficamos
satisfeitos em saber o que ocorre na nossa vizinhança. Queremos
estender nosso conhecimento além do sistema solar, mesmo que, no
momento, seja impossível viajarmos até a estrela mais próxima, a
Alfa Centauri, que, na verdade, é um aglomerado de três estrelas a
4,37 anos-luz de distância. (Ou seja, a luz demora quatro anos e
quatro meses para viajar de lá até aqui.) Felizmente, com
telescópios, não precisamos ir até esses mundos distantes; podemos
simplesmente vê-los de longe, tanto direta quanto indiretamente,
através de seus efeitos em objetos que podemos ver.
Hoje, temos também telescópios montados
em satélites em órbita muito acima da atmosfera. Mesmo que bem
menores do que os telescópios terrestres, já que é difícil lançar
um telescópio de 20 toneladas ao espaço, obtêm imagens
extremamente claras, sem as distorções da atmosfera. Dos caçadores
de novos mundos, o telescópio espacial Kepler foi o mais sensacional
até agora. Lançado em 2009 pela NASA com a missão de encontrar
planetas do tamanho da Terra na nossa galáxia, até janeiro de 2015
Kepler descobriu 1.013 exoplanetas confirmados e outros 3.199 ainda
candidatos. (Exoplaneta é um planeta que gira em torno de uma
estrela além do nosso Sol.)
Analisando essas descobertas
estatisticamente, astrônomos calculam que, apenas na Via Láctea,
existem em torno de 40 bilhões de planetas com dimensões
semelhantes às da Terra nas zonas habitáveis de estrelas comuns e
do tipo anã vermelha (uma estrela menor e mais fria do que o Sol).
Vale repetir: 40 bilhões de outros mundos semelhantes ao nosso, ao
menos em tamanho e composição. Baseados nesses resultados e no de
outras missões dedicadas à busca por exoplanetas, podemos, também,
afirmar que a maioria absoluta de estrelas têm planetas girando à
sua volta. Pense nisso na próxima vez que olhar para o céu
estrelado: cada ponto de luz na abóbada celeste, cada estrela, tem
sua corte de planetas, muitos deles certamente rodeados por luas,
como os do nosso sistema solar.
No século IV a.C., o filósofo grego
Epicuro já especulava que “Existe uma infinidade de mundos, alguns
como o nosso, outros distintos”. Dois mil anos mais tarde,
inspirado pela visão de Epicuro, o monge italiano Giordano Bruno
escreveu que esses mundos seriam como a Terra, habitados e repletos
de pecado. Isso, no final do século XVI, ia contra os ensinamentos
da Igreja, que insistia na centralidade da Terra, única no cosmo. Se
outros mundos existissem, a importância da Terra estaria ameaçada.
Sob um prisma diferente do da doutrina
católica do século XVI, essa continua sendo a questão essencial na
busca por outros mundos: somos a regra ou a exceção? Existem outras
Terras espalhadas pelo cosmo? Ou será que nosso planeta é único em
suas propriedades, tendo, portanto, uma importância ímpar? Mesmo
após a descoberta de tantos outros mundos, ainda é cedo para
respondermos essa questão. Sabemos que outros mundos existem, e que
muitos têm tamanhos e composição semelhantes aos da Terra,
circulando suas estrelas a distâncias onde a água, se existir
neles, poderá ser líquida, algo que usamos como condição
imprescindível para a vida ter se originado e sobrevivido por
bilhões de anos. (Refiro-me, aqui, à vida biologicamente semelhante
à que temos aqui.)
Porém, a água líquida, e mesmo uma
composição química semelhante (existência de carbono, oxigênio,
nitrogênio etc.), é condição necessária, mas não suficiente,
para a existência de vida. Ademais, como vimos nos ensaios
anteriores, quando falamos de vida extraterrestre, temos que
diferenciar entre seres simples, como as bactérias, e seres
complexos, como os mamíferos ou os peixes. Seres inteligentes,
capazes, como nós, de desenvolver tecnologias, seriam ainda mais
raros.
Mesmo que estejamos, ainda, engatinhando
na busca por outros planetas com vida, podemos já celebrar o que
aprendemos até agora: primeiro, a existência de trilhões de mundos
na nossa galáxia, e outros tantos nos bilhões de galáxias
espalhadas pela vastidão do espaço; segundo, que alguns desses
mundos têm propriedades semelhantes às da Terra, mesmo que jamais
idênticas; terceiro que, se existir vida em alguns desses mundos,
será única em cada um deles, adaptada às suas condições
particulares. E, finalmente, que, por essa razão, somos únicos no
cosmo, produtos de 4 bilhões de anos de evolução num planeta sem
par. Paradoxalmente, na incrível diversidade de mundos no cosmo,
reencontramos a centralidade do nosso planeta e da nossa espécie.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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