Segundo o dicionário, fala é a
“faculdade que tem o homem de expressar verbalmente suas ideias,
emoções e experiências”. Visto dessa forma, apenas os humanos
podem falar, pois esse conceito se limita à nossa espécie. No
entanto, não seria interessante descobrir que as árvores também
podem se expressar? Claro que elas não produzem sons, por isso não
há nada que possam escutar. Os galhos rangem e estalam ao entrar em
atrito uns com os outros, e as folhas farfalham, mas esses sons são
causados pelo vento, não dependem de ações delas. Acontece que as
árvores marcam sua presença de outra forma: por meio dos odores que
exalam.
Isso não é novidade para nós, seres
humanos; afinal, usamos desodorantes e perfumes. E, mesmo que não
usássemos, nosso odor transmite informações ao consciente e ao
inconsciente de outras pessoas. Algumas parecem simplesmente não ter
cheiro algum, enquanto outras usam o odor para atrair. Segundo a
ciência, os feromônios do suor são fundamentais até para
decidirmos quem será nosso parceiro, ou seja, com quem queremos ter
filhos. Dessa forma, temos uma linguagem aromática secreta, que as
árvores demonstraram também ter.
Há cerca de 40 anos cientistas notaram
algo interessante na savana da África. As girafas comem a folhagem
da Acacia tortilis, uma espécie de acácia que não gosta nem
um pouco disso. Para se livrar dos herbívoros, poucos minutos depois
de as girafas aparecerem as acácias bombeiam toxinas para as folhas.
As girafas sabem disso e partem para as árvores próximas. Mas não
tão próximas: primeiro elas pulam vários exemplares e só voltam a
comer depois de uns 100 metros. O motivo é surpreendente: as acácias
atacadas exalam um gás de alerta (no caso, etileno) que sinaliza às
outras ao redor que surgiu um perigo. Com isso, todos os indivíduos
alertados se preparam de antemão e também liberam toxinas. As
girafas conhecem a tática e por isso avançam savana adentro até
encontrarem árvores desavisadas. Ou então trabalham contra o vento,
já que é ele que carrega a mensagem aromática, buscando acácias
que ainda não detectaram sua presença.
Isso também acontece em outras
florestas. Sejam faias, abetos ou carvalhos, as árvores percebem os
ataques sofridos. Dessa forma, quando uma lagarta morde com vontade,
o tecido da folha danificada se altera e ela envia sinais elétricos,
da mesma forma que acontece com o corpo humano. No entanto, esse
impulso não se espalha em milissegundos, como no nosso caso, mas a
apenas 1 centímetro por minuto. Por isso demora até uma hora para
que a substância defensiva chegue às folhas e acabe com a refeição
da praga. As árvores não são rápidas, e mesmo em perigo essa
parece ser sua velocidade máxima.
Apesar do ritmo lento, as partes
individuais do corpo de uma árvore não funcionam isoladamente. Por
exemplo, se as raízes estiverem em dificuldade, a informação se
espalhará pela árvore, que liberará uma substância especial pelas
folhas. Essa capacidade de produzir diferentes substâncias é outra
característica das árvores que as ajuda a identificar quem está
atacando.
A saliva de cada espécie de inseto é
única e pode ser tão bem classificada que as árvores são capazes
de emitir substâncias que atraem predadores específicos desses
insetos, que atacarão a praga e em consequência ajudarão as
árvores. Os olmos e pinheiros, por exemplo, apelam a pequenas vespas
que depositam seus ovos no corpo das lagartas que comem folhas. A
larva da vespa se desenvolve no interior da praga, que é devorada
pouco a pouco, de dentro para fora. Assim as árvores se livram de
pragas inconvenientes e podem continuar crescendo livremente. A
capacidade de identificar a saliva das pragas comprova outra
habilidade das árvores: elas também devem ter uma espécie de
paladar.
No entanto, as substâncias odoríferas
têm uma desvantagem: elas se dispersam rapidamente com o vento –
em geral só são detectadas a, no máximo, 100 metros da árvore que
a emitiu. De qualquer forma, como a propagação de sinais dentro da
árvore ocorre com muita lentidão, pelo ar a árvore cobre áreas
muito mais extensas e alerta partes distantes do próprio corpo com
velocidade bem maior.
Muitas vezes as árvores não precisam
pedir ajuda específica para se defender dos insetos. O mundo animal
registra as mensagens químicas básicas das árvores, sabe qual
espécie de árvore está sendo atacada e quais espécies predadoras
devem se mobilizar. As que se alimentam do organismo que está
atacando a árvore se sentem atraídas.
A árvore também sabe se defender por
conta própria. Por exemplo, para matar insetos devoradores ou pelo
menos para se tornar desagradável ao paladar do agressor, o carvalho
libera, na casca e nas folhas, tanino, uma substância amarga e
venenosa. O salgueiro produz salicina, um precursor da aspirina que
tem o mesmo efeito que o tanino, mas não em nós, seres humanos: na
verdade, o chá de sua casca alivia dores de cabeça e diminui a
febre. A árvore precisa de tempo para ativar essa defesa, por isso a
cooperação no alerta inicial é fundamental.
As árvores não confiam apenas no ar,
pois o cheiro do perigo não alcançaria todas as vizinhas. Para
contornar essa limitação, elas enviam mensagens também pelas
raízes, que as conectam e não dependem do clima para funcionar bem.
Recentemente uma pesquisa chegou à surpreendente conclusão de que
os alertas são espalhados não apenas por meios químicos, mas
também eletricamente, a 1 centímetro por segundo. Em comparação
com o nosso corpo, é uma velocidade baixa, mas no reino animal
existem espécies com velocidade de condução elétrica semelhante à
das árvores, como as águas-vivas e as minhocas. Quando a notícia
se espalha, todos os carvalhos bombeiam tanino.
As raízes de uma árvore são muito
longas, têm mais que o dobro da extensão da copa. Elas se
entrelaçam e aderem às raízes das árvores vizinhas. No entanto,
esse contato não acontece em todos os casos, pois na floresta também
há árvores solitárias, que não querem se relacionar com as
outras. Felizmente, porém, elas não conseguem bloquear os sinais de
alarme. Na maioria dos casos as árvores se valem dos fungos para
fazer a transmissão rápida das mensagens. Eles funcionam como os
cabos de fibra óptica da internet. Os filamentos finos penetram a
terra e se entremeiam pelas raízes em uma densidade inimaginável, a
ponto de uma colher de chá de terra da floresta conter muitos
quilômetros desses “condutores”.
Ao longo dos séculos, um único fungo
pode se estender por muitos quilômetros quadrados e criar uma rede
capaz de ligar florestas inteiras. Ele transmite sinais de uma árvore
para outra e as ajuda a trocar notícias sobre insetos, secas e
outros perigos. Aliás, a ciência já fala da existência de uma
“wood wide web” que permeia as florestas. As pesquisas
sobre quais e quantas informações são trocadas ainda estão no
início. O que já se sabe é que os fungos seguem uma estratégia,
calcada na intermediação e no equilíbrio, que às vezes põe em
contato diferentes espécies de árvores, mesmo que sejam
concorrentes.
Quando as árvores ficam enfraquecidas,
talvez não percam apenas a capacidade de defesa, mas também a de se
comunicar. Só isso explica por que os insetos escolhem atacar
especificamente os espécimes debilitados. É possível que, ao
captar os alertas químicos das árvores, eles mordam as folhas ou a
casca para testar os indivíduos que não se comunicaram. Esse
“silêncio” pode ser causado por uma doença grave, mas também
pode se dever à perda da rede de fungos, que deixa a árvore
incomunicável. Sem acesso à rede, ela não recebe o sinal de perigo
iminente e acaba devorada por lagartas e besouros. Com isso, os
espécimes solitários também ficam à mercê dos ataques. Eles
podem até parecer saudáveis, mas de fato não fazem ideia do que
está acontecendo a seu redor.
Na floresta, os arbustos e gramados
também fazem esse tipo de troca (na verdade, possivelmente todas as
espécies de plantas). No entanto, nas plantações a vegetação
fica em silêncio. As plantas cultivadas não são capazes de se
comunicar umas com as outras, seja por cima ou por baixo da terra.
São quase surdas-mudas, por isso se tornam presas fáceis para
insetos. Esse é um dos motivos pelos quais a agricultura moderna usa
tanto inseticida. Para estimular a comunicação entre as plantas, os
agricultores deveriam aprender mais sobre as florestas e introduzir
um pouco da vida selvagem em seus cultivos.
No entanto, a comunicação entre árvores
e insetos não gira somente em torno de questões de defesa e doença.
Percebemos e até sentimos os muitos sinais de contato positivo entre
seres tão diferentes. Falo das agradáveis mensagens enviadas pelas
flores. Elas não disseminam o aroma ao acaso ou para nos agradar. Ao
enviar essa mensagem, as árvores frutíferas, os salgueiros e as
castanheiras estão fazendo um convite às abelhas. Quando atendem ao
chamado, os insetos recebem um néctar doce, rico em açúcar, como
recompensa pela polinização.
Assim como um outdoor, a forma e a cor
das flores também funcionam como um sinal. As árvores se comunicam
por meios olfativos, visuais e elétricos (para isso se valem de uma
espécie de célula nervosa nas pontas das raízes). E quanto aos
sons? Como eu disse, as árvores são silenciosas, porém estudos
mais recentes reconsideraram essa afirmação. Monica Gagliano, da
Universidade da Austrália Ocidental, auscultou o solo junto com
colegas de Bristol e Florença. Como não seria nada prático ter
árvores em laboratórios, foi mais fácil pesquisar brotos de
cereais. E o fato é que os dispositivos de medição logo
registraram um leve estalo das raízes a uma frequência de 220
hertz.
Esse fato por si só não significa muita
coisa, afinal a madeira morta estala quando queimada. Mas o ruído
captado no laboratório também foi ouvido pelas raízes não
envolvidas no experimento. Quando eram expostas aos estalos a 220
hertz, as extremidades de suas raízes apontavam para a direção de
onde a frequência era emitida. Isso significa que estavam
registrando a frequência e, portanto, faz sentido dizer que os
brotos “ouviram”.
A possibilidade de haver troca de
informações entre plantas por meio de ondas sonoras certamente
desperta muita curiosidade. Talvez esta seja a chave para podermos
compreender as árvores, descobrir se estão bem e de que precisam.
Infelizmente ainda não alcançamos esse ponto, pois a pesquisa na
área está apenas começando. Mas, quando ouvir estalos no seu
próximo passeio pela floresta, lembre-se de que talvez não seja
apenas o vento…
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam – As descobertas de um mundo oculto
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