Há alguns anos, encontrei pedras
estranhas cobertas de musgo em uma das antigas matas de faia da nossa
reserva. Tinham um formato curioso, levemente curvado, com
reentrâncias. Quando levantei um pouco da camada de musgo, descobri
que, na verdade, eram cascas de árvore. Ou seja, não eram pedras,
mas madeira velha. Em solo úmido a madeira de faia apodrece em
poucos anos, por isso fiquei surpreso ao constatar como aqueles
pedaços eram duros.
O que me espantou de verdade, porém, foi
perceber que era impossível erguê-los. Pareciam presos ao solo. Com
cuidado, usei um canivete para raspar um pouco da casca e revelei uma
camada verde. Essa cor só aparece quando há clorofila, que existe
nas folhas frescas e é armazenada nos troncos das árvores vivas. Os
pedaços de madeira não estavam mortos. Logo depois notei que as
outras “pedras” formavam um círculo de 1,5m de diâmetro, e uma
imagem lógica surgiu na minha cabeça: eram os restos de um tronco
de árvore gigantesco e ancestral.
Só havia vestígios de suas bordas
externas. Toda a parte interna já havia virado húmus – um claro
indício de que o tronco provavelmente foi derrubado há 400 ou 500
anos. Mas como aquelas sobras ficaram tanto tempo vivas? Afinal, suas
células precisam receber nutrientes (na forma de açúcar), respirar
e crescer pelo menos um pouco. Sem folhas isso é impossível, pois
elas não conseguiriam realizar a fotossíntese. Nenhum ser vivo
deste planeta aguenta séculos de jejum, e isso também vale para
restos de árvores – ao menos para troncos abandonados à própria
sorte.
No entanto, estava claro que aquele
exemplar provava o contrário. Através das raízes, recebia ajuda
das árvores vizinhas. Pode ser apenas uma ligação remota por meio
de redes de fungos que recobrem as pontas das raízes e promovem a
troca de nutrientes entre os exemplares, mas também há casos em que
as raízes em si estão conectadas. Eu não quis realizar escavações
no local com receio de danificar o velho tronco, por isso não
consegui descobrir qual era o caso, mas uma coisa era certa: as faias
vizinhas mantinham o resto de tronco vivo bombeando uma solução de
açúcar para o que restava da árvore.
Às vezes, vemos em barrancos como as
raízes das árvores são emaranhadas. Nas encostas, a terra é
levada pela água da chuva e deixa à mostra a rede subterrânea de
raízes. Cientistas em Harz, uma cadeia de montanhas ao norte da
Alemanha, descobriram que a maioria dos indivíduos de uma espécie e
de uma população é interligada por um sistema entremeado de
raízes. É normal que elas troquem nutrientes e ajudem as vizinhas
em casos de emergência, e isso nos faz concluir que as florestas são
superorganismos – formações semelhantes, por exemplo, a um
formigueiro.
Também podemos nos perguntar se as
raízes das árvores simplesmente não cresceriam de forma aleatória
e se conectariam ao encontrar outras da mesma espécie. Segundo essa
hipótese, a partir desse acaso não teriam outra escolha a não ser
trocar nutrientes, formar uma suposta comunidade e ter uma relação
na qual ocasionalmente forneceriam e receberiam nutrientes. Nesse
caso, a bela imagem de que as árvores se ajudam de maneira ativa
seria desfeita pelo princípio do acaso, embora mesmo esses
mecanismos fortuitos ofereçam vantagens para o ecossistema da
floresta. Mas a natureza não funciona de forma tão simples. De
acordo com Massimo Maffei, as plantas e, portanto, as árvores
conhecem muito bem as diferenças entre suas raízes e as de outras
espécies e até as de outros exemplares da mesma espécie.
Por que as árvores são seres tão
sociais? Por que compartilham seus nutrientes com outras da mesma
espécie e, com isso, ajudam suas concorrentes? Os motivos são os
mesmos que movem as sociedades humanas: trabalhando juntas elas são
mais fortes. Uma única árvore não forma uma floresta, não produz
um microclima equilibrado; fica exposta, desprotegida contra o vento
e as intempéries. Por outro lado, muitas árvores juntas criam um
ecossistema que atenua o excesso de calor e de frio, armazena um
grande volume de água e aumenta a umidade atmosférica – ambiente
no qual as árvores conseguem viver protegidas e durar bastante
tempo.
Para alcançar esse ponto, a comunidade
precisa sobreviver a qualquer custo. Se todos os espécimes só
cuidassem de si, grande parte morreria cedo demais. As mortes
constantes criariam lacunas no dossel verde. Com isso, as tempestades
penetrariam a floresta com mais facilidade e poderiam derrubar outras
árvores. O calor do verão ressecaria o solo. Todos os espécimes
sofreriam.
Assim, cada árvore é valiosa para a
comunidade e deve ser mantida viva o máximo de tempo possível.
Mesmo os espécimes doentes recebem ajuda e nutrientes até ficarem
curados. E uma árvore que no passado auxiliou outra pode no futuro
precisar de uma mãozinha. Quando as enormes faias se comportam dessa
forma, me fazem lembrar de uma manada de elefantes. A manada também
cuida de seus membros, ajuda os indivíduos doentes e fracos e reluta
até em deixar os mortos para trás.
Todas as árvores fazem parte dessa
comunidade, mas dentro dela existem níveis de distinção. Assim,
enquanto a maioria dos tocos de árvores cortadas apodrece e vira
húmus, desaparecendo em algumas décadas (para árvores, pouquíssimo
tempo), somente alguns espécimes são mantidos vivos através dos
séculos, como a “pedra com musgo” com a qual deparei na
floresta. E por que elas se diferenciam dessa forma? As árvores se
organizam em uma sociedade de classes? Parece que sim, mas a
expressão “classe” não é a mais exata. Acima de tudo, a
decisão de ajudar as colegas depende muito mais do nível de
proximidade ou talvez até de afinidade entre os exemplares
envolvidos.
É possível compreender isso olhando
para a copa das árvores. Uma árvore normal estende seus galhos até
alcançar a altura da ponta dos galhos de uma vizinha do mesmo
tamanho. Não vai além disso porque o espaço (e o local de melhor
incidência de luz) já está ocupado. Depois, fortalece os galhos
que expandiu, e a impressão é de que existe uma verdadeira briga lá
em cima. No entanto, desde o início um par de árvores amigas de
verdade cuida para que nenhum galho grosso demais se estenda na
direção da outra. Elas não desejam tirar nada uma da outra, por
isso só engrossam os galhos e os esticam na direção das “não
amigas”. Esses pares de árvores mantêm uma ligação tão íntima
pelas raízes que às vezes até morrem juntos.
Geralmente, esse tipo de amizade que
proporciona alimentação até a restos de árvores só existe em
florestas naturais. Talvez todas as espécies façam isso, pois, além
das faias, já encontrei tocos de carvalhos, pinheiros, abetos e
douglásias mantidos vivos por outros espécimes próximos. Já as
florestas plantadas (como é o caso da maioria das florestas de
coníferas da Europa Central) se comportam de maneira mais
individualista, como veremos no Capítulo 27.
Como são plantadas, suas raízes são
danificadas de forma permanente e parecem nunca se encontrar para
formar as redes. Em geral, as árvores plantadas se comportam como
indivíduos solitários, por isso enfrentam muitas dificuldades e na
maioria dos casos nem envelhecem – dependendo da espécie, seus
troncos são considerados maduros para serem derrubados aos 100 anos.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam – As descobertas de um mundo oculto
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