Cada noite Zorba me leva a passeio
através da Grécia, da Bulgária e Constantinopla; eu fecho os olhos
e vejo. Ele percorre os Bálcãs, confusos e atormentados; observou
tudo, com seus olhos pequenos de falcão, que abre a cada instante,
cheios de surpresa. As coisas às quais estamos acostumados, e diante
das quais passamos indiferentes, se erguem para Zorba como enigmas
indecifráveis. Ele vê passar uma mulher e pára espantado: “Que
mistério é esse?” Pergunta. O que é uma mulher, e por que ela
nos faz dançar a cabeça? Diga-me o que é isso?
E se interroga com igual estupor diante
de um homem, de uma árvore florida, de um copo de água fresca.
Zorba vê cada dia às coisas como se fosse pela primeira vez.
Ontem estávamos sentado diante do
barracão. Tendo tomado um copo de vinho, virou-se ele para mim,
alarmado:
— O que é essa água vermelha, patrão,
diga-me! Uma velha videira deita ramos, tem uns penduricalhos ácidos
que pendem, passa o tempo e o sol os amadurece; eles ficam doces como
o mel e então passam a chamar-se uvas; são apanhados, esmagados,
bota-se o suco em tonéis, ele fermenta sozinho, são abertos no dia
de São Jorge-Beberrão, e virou vinho! E o que é ainda esse
prodígio: você bebe esse suco vermelho e eis sua alma que cresce,
que não cabe mais na velha carcaça, e que desafia Deus para a luta.
O que é isso, patrão? Diga-me!
Eu não falava. Ao ouvir Zorba, sentia-se
renovar a virgindade do mundo. Todas as coisas desbotadas e
quotidianas retomavam o brilho do primeiro dia, quando saíram das
mãos de Deus. A água, a mulher, a estrela, o pão voltavam à
misteriosa fonte primitiva, e o turbilhão divino empolgava de novo
os ares.
Eis por que cada noite eu esperava, com
impaciência, deitado sobre a vegetação da beira da praia, que
Zorba voltasse. Coberto de lama, riscado de carvão, ele saía das
entranhas da terra como uma gigantesca ratazana, com seu andar longo
e desengonçado. De longe eu adivinhava como havia sido seu dia de
trabalho: pela atitude de seu corpo, por sua cabeça baixa ou
erguida, pelo balanço de seus grandes braços.
No começo ia com ele: observava os
trabalhadores, fazia força para tomar um novo caminho, me interessar
pelas tarefas práticas, conhecer e amar o material humano que havia
caído em minhas mãos, aproveitar a alegria há tanto tempo desejada
de não mais lidar com palavras, mas com homens vivos. E eu fazia
projetos românticos
— se a extração da linhita caminhasse
bem — de organizar uma comunidade onde todos trabalharíamos, onde
tudo seria comum, onde comeríamos todos a mesma comida e vestiríamos
a mesma roupa, como irmãos. Criava dentro de mim uma nova ordem
religiosa, gente de uma nova vida...
Mas, não me decidia a comunicar a Zorba
meus projetos.
Amolado, ele me ia ir e vir entre os
operários, interrogar, intervir, e tomar sempre o partido do
trabalhador. Zorba franzia os lábios:
— Patrão, não vai dar umas voltas por
aí? Está um sol danado!
Mas eu, nos primeiros tempos, insistia e
não ia. Interrogava, conversava, conhecia as histórias de todos os
meus operários: os filhos que tinham que sustentar, suas irmãs a
casar, os velhos pais impotentes; suas preocupações, suas doenças
e seus tormentos.
“Não se meta nas histórias deles, me
dizia Zorba, aborrecido. Seu coração, se envolverá nelas, você
gostará deles mais do que é preciso e mais do que é vantajoso para
o nosso trabalho. Você perdoará, não importa o que fizerem... e
então, pobres deles, é preciso que você saiba. Quando o patrão é
duro, os operários o temem, o respeitam e trabalham. Quando o patrão
é fraco, eles põem-lhe arreios e levam a vida na flauta.
Compreende?”
Dias depois, terminado o trabalho, atirou
sua picareta no chão, diante do barracão, com um ar exasperado.
— Afinal de contas, patrão — gritou
ele, — não se meta mais em nada. Eu fico a construir e você a
demolir. Que fábulas são essas afinal que você contava a eles?
Socialismos e fantasias! Você é um pregador ou um capitalista? É
preciso escolher.
Mas, como escolher? Eu estava devorado
pelo desejo ingênuo de unir as duas coisas, de encontrar a síntese
onde confraternizassem os opostos irredutíveis a alcançar, de uma
vez só, a vida terrestre e o reino dos céus. Isso vinha há muito
tempo, desde minha primeira infância. Quando estava ainda no
colégio, havia fundado com meus amigos mais íntimos uma
fraternidade amiga — esse era o nome que escolhêramos — e
havíamos jurado, fechados à chave em meu quarto, que consagraríamos
a vida a combater a injustiça. Grandes lágrimas corriam sobre
nossos olhos no momento em que, com a mão no coração, prestamos
juramento.
Ideais pueris! E, no entanto, ai daquele
que rir ao ouvi-los.
Quando vejo o que se transformaram os
membros da fraternidade amiga — doutorecos, rábulas, quitandeiros,
politicotes safados, pequenos jornalistas — meu coração fica
pequenino. E áspero e rude, ao que parece, o clima dessa terra, pois
se as sementes mais preciosas não germinam ou são sufocadas pelo
capim ou pelas urtigas. Eu, vejo-o claramente hoje, não sou ainda um
conformado.
Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego
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