segunda-feira, 24 de maio de 2021

Os macacos de Sujumi

Regressei à União Soviética e me convidaram então para uma viagem até o sul. Quando desço do avião, depois de ter atravessado o imenso território, deixei para trás as grandes estepes, as usinas e as estradas, as grandes cidades e os povoados soviéticos. Cheguei às imponentes montanhas caucasianas povoadas de abetos e de animais selváticos. A meus pés o Mar Negro colocou um traje azul para receber-nos. Um perfume violento de laranjeiras em flor chega de toda parte.
Estamos em Sujumi, capital de Afgasia, pequena república soviética. Esta é a Cólchida lendária, a região do velocino de ouro que Jasão veio roubar seis séculos antes de Cristo, a pátria grega dos Dióscuros. Mais tarde eu veria no museu um enorme baixo-relevo de mármore helênico recém-tirado das águas do Mar Negro. Às margens desse mar, os deuses helênicos celebraram seus mistérios. Hoje trocou-se o mistério pela vida simples e laboriosa do povo soviético. Não é a mesma gente de Leningrado. Esta terra de sol, de trigo e de grandes vinhas, tem outro tom, um acento mediterrâneo. Estes homens andam de outra maneira e estas mulheres têm olhos e mãos da Itália ou da Grécia.
Vivo uns dias em casa do novelista Simonov e nos banhamos nas águas tépidas do Mar Negro. Simonov me mostra no quintal suas belas árvores. Reconheço-as e a cada nome que me diz respondo como um camponês patriótico:
Esta tem no Chile. Esta outra também tem no Chile. E também aquela outra.
Simonov me olha com um certo sorriso brincalhão. Eu digo a ele:
Que triste que é para mim que tu talvez nunca vejas a parreira de minha casa em Santiago nem os álamos dourados pelo outono chileno. Não há ouro como esse. Se visses as cerejeiras em flor na primavera e conhecesses o aroma do boldo do Chile! Se visses no caminho de Melipilla como os camponeses põem as douradas palhas de milho sobre os tetos! Se metesses os pés nas águas puras e frias de Isla Negra! Mas, meu querido Simonov, os países levantam barreiras, brincam de inimigo, lançam-se em guerras frias e nós, os homens, ficamos ilhados. Aproximamo-nos do céu em velozes foguetes e não aproximamos nossas mãos na fraternidade humana.
Talvez as coisas mudaram – diz Simonov sorrindo e lançando uma pedra branca aos deuses submersos do Mar Negro.

O orgulho de Sujumi é a sua grande coleção de macacos. Aproveitando o clima subtropical, um Instituto de Medicina Experimental criou ali todas as espécies de macacos do mundo. Entremos. Em jaulas grandes veremos macacos elétricos e macacos estáticos, imensos e minúsculos, pelados e peludos, de caras reflexivas ou de olhos chamejantes, e também os taciturnos ou despóticos.
Existem macacos cinzentos, existem macacos brancos, existem micos de traseiro tricolor. Há grandes monos austeros e outros polígamos que não permitem que nenhuma de suas fêmeas se alimente sem seu consentimento, permissão dada somente depois que eles devoraram com solenidade sua própria comida.
Os estudos mais avançados de biologia se realizam neste instituto. No organismo dos macacos se estuda o sistema nervoso, a hereditariedade, as delicadas investigações sobre o mistério e o prolongamento da vida.
Uma pequena macaca com duas crias nos chama a atenção. Um dos filhotes a segue constantemente enquanto leva o outro nos braços com ternura humana. O diretor nos conta que o macaquinho que tanto mima não é seu filho mas sim um macaquinho adotivo. Ela acabava de dar à luz quando morreu outra macaca recém-parida. Imediatamente esta mãe macaca adotou o orfãozinho. Desde então sua paixão maternal e sua doçura vigilante se projetam sobre o filho adotivo, mais ainda que sobre o filho verdadeiro. Os cientistas pensaram que tão intensa vocação maternal a levaria a adotar outros filhos alheios mas ela os rechaçou um atrás do outro. Porque sua atitude não obedecia simplesmente a uma força vital mas sim a uma consciência de solidariedade maternal.

Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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