Acho muito simpática a maneira de a
Rádio Jornal do Brasil anunciar a hora: “onze e meia” no lugar
de “vinte e três e trinta”; “um quarto para as cinco” em vez
de “dezesseis e quarenta e cinco”. Mas confesso minha implicância
com aquele “meio-dia e meia”.
Sei que “meio-dia e meio” está
errado; “meio” se refere à hora e tem de ficar no feminino. Sim,
“meio-dia e meia” está certo. Mas a língua é como a mulher de
César: não lhe basta ser honesta, convém que o pareça. Aquele
“meia” me dá ideia de teste de colégio para pegar o estudante
distraído. Para que fazer de nossa língua um alçapão?
Lembrando um conselho que me deu certa
vez um amigo boêmio quando lhe perguntei se certa frase estava certa
(“olhe, Rubem, faça como eu, não tope parada com a gramática: dê
uma voltinha e diga a mesma coisa de outro jeito”), eu preferiria
dizer “doze e meia” ou “meio-dia e trinta”, sem nenhuma
afetação. Aliás a língua da gente não tem apenas regras: tem um
espírito, um jeito, uma pequena alma que aquele “meio-dia e meia”
faz sofrer. E, ainda que seja errado, gosto da moça que diz: “Estou
meia triste...” Aí, sim, pelo gênio da língua, o “meia” está
certo.
Rubem Braga, in Recado de primavera
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