Um dia, todos os bonecos e bonecas da
Helena começaram a falar. O primeiro foi o urso Pompeu.
Helena estava dormindo e acordou de manhã
com a voz do Pompeu, que dizia: — Olha a hora, preguiçosa. Helena
abriu os olhos em volta. Quem a chamara?
— Fui eu — disse Pompeu.
— Urso não fala — disse Helena.
— Mas eu não sou um urso de verdade —
respondeu Pompeu, como se isto explicasse tudo.
Helena levantou da cama e levou um susto.
Todos os seus bonecos e bonecas a cumprimentaram.
— Bom-dia — disse a Suzi.
— Oi — disse o Molengão.
— Hello — disse o cachorro, que era
americano.
Helena ficou de boca aberta.
— Eu não sabia que vocês falavam! —
disse.
— Nem nós — disse a Suzi.
— É o maior barato! — disse a boneca
de pano, que a Helena chamava de Matilde e era muito espevitada.
— Eu sei até cantar — disse o
Pompeu. E começou a cantar, até que os outros fizeram “sssh” e
mandaram parar.
— Mas isto é ótimo! — disse Helena.
— Agora eu vou poder conversar com vocês de verdade. Antes só eu
falava e ninguém respondia.
— Tem uma coisa... — disse o
Molengão.
— O que é?
— Você nos chama pelos nomes errados.
— Mas fui eu que botei os nomes em
vocês. A não ser pela Suzi, que já veio da loja com esse nome.
— Pois nem eu me chamo Suzi — disse a
Suzi. — Meu nome mesmo é Eunice.
— O meu é Geraldo — disse Pompeu.
— O meu é Felipe — disse o Molengão.
— Mas você pode me chamar de Felipão.
— E o seu, como é? — perguntou
Helena, apontando para o cachorro.
— What? — disse o cachorro, em
inglês.
— Como é o seu nome? — repetiu
Helena. Quando a gente fala com estrangeiro, é só falar bem devagar
que eles entendem.
— Meu nome é Sam — disse o cachorro.
— Sam Smith.
— E o meu nome vocês nem desconfiam
qual é — disse a boneca de pano. — É Saralara!
— Que nome esquisito! — disse o
Molengão. Quer dizer, o Felipão.
— Esquisita é a sua cara! — disse a
boneca.
— Não briguem — pediu Helena.
— E o seu verdadeiro nome, como é,
Helena? — quis saber Geraldo, o ex-Pompeu.
— É Helena, ué.
— Helena é o nome que deram para você.
Como é que você se chama?
Helena ficou pensativa. Gostava do nome
Helena. Mas, no fundo, no fundo, sempre se achara com cara de Rejane.
Devia ser o seu nome de verdade.
— É Rejane — disse.
A mãe de Helena entrou no quarto e disse
que era para ela interromper aquele papo com os bonecos porque estava
na hora de escovar os dentes, tomar café e ir para a escola. Antes
de sair do quarto, Helena, ou Rejane, ainda fez uma pergunta para os
bonecos. Era uma coisa que a estava intrigando.
— Eu botei nomes em vocês porque vocês
não falavam e não podiam dizer seus nomes de verdade, certo?
— Certo.
— Quer dizer que todas as outras coisas
neste quarto também têm nomes que a gente não sabe. Se pudessem
falar, elas nos diriam qual é.
— Exatamente.
— Eu, por exemplo — disse Saralara —,
sei que cama não se chama “cama”.
— E como é que ela se chama? — quis
saber Helena.
— É “Frunfra” — disse Saralara.
— E armário é “Bozório” —
revelou Geraldo.
— Tapete se chama “Abajur” —
disse Eunice.
— E abajur, como se chama? —
perguntou Helena.
— Carlos Henrique.
Helena contou tudo isto para os seus
pais, que acharam engraçado mas não acreditaram muito. Os adultos
não têm nenhuma imaginação.
— Senta direito na cadeira — disse a
mãe de Helena.
— Cadeira, não — corrigiu Helena. —
Sploct.
Luís Fernando Veríssimo, in O santinho
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