sábado, 3 de abril de 2021

Nomes

Um dia, todos os bonecos e bonecas da Helena começaram a falar. O primeiro foi o urso Pompeu.
Helena estava dormindo e acordou de manhã com a voz do Pompeu, que dizia: — Olha a hora, preguiçosa. Helena abriu os olhos em volta. Quem a chamara?
Fui eu — disse Pompeu.
Urso não fala — disse Helena.
Mas eu não sou um urso de verdade — respondeu Pompeu, como se isto explicasse tudo.
Helena levantou da cama e levou um susto. Todos os seus bonecos e bonecas a cumprimentaram.
Bom-dia — disse a Suzi.
Oi — disse o Molengão.
Hello — disse o cachorro, que era americano.
Helena ficou de boca aberta.
Eu não sabia que vocês falavam! — disse.
Nem nós — disse a Suzi.
É o maior barato! — disse a boneca de pano, que a Helena chamava de Matilde e era muito espevitada.
Eu sei até cantar — disse o Pompeu. E começou a cantar, até que os outros fizeram “sssh” e mandaram parar.
Mas isto é ótimo! — disse Helena. — Agora eu vou poder conversar com vocês de verdade. Antes só eu falava e ninguém respondia.
Tem uma coisa... — disse o Molengão.
O que é?
Você nos chama pelos nomes errados.
Mas fui eu que botei os nomes em vocês. A não ser pela Suzi, que já veio da loja com esse nome.
Pois nem eu me chamo Suzi — disse a Suzi. — Meu nome mesmo é Eunice.
O meu é Geraldo — disse Pompeu.
O meu é Felipe — disse o Molengão. — Mas você pode me chamar de Felipão.
E o seu, como é? — perguntou Helena, apontando para o cachorro.
What? — disse o cachorro, em inglês.
Como é o seu nome? — repetiu Helena. Quando a gente fala com estrangeiro, é só falar bem devagar que eles entendem.
Meu nome é Sam — disse o cachorro. — Sam Smith.
E o meu nome vocês nem desconfiam qual é — disse a boneca de pano. — É Saralara!
Que nome esquisito! — disse o Molengão. Quer dizer, o Felipão.
Esquisita é a sua cara! — disse a boneca.
Não briguem — pediu Helena.
E o seu verdadeiro nome, como é, Helena? — quis saber Geraldo, o ex-Pompeu.
É Helena, ué.
Helena é o nome que deram para você. Como é que você se chama?
Helena ficou pensativa. Gostava do nome Helena. Mas, no fundo, no fundo, sempre se achara com cara de Rejane. Devia ser o seu nome de verdade.
É Rejane — disse.
A mãe de Helena entrou no quarto e disse que era para ela interromper aquele papo com os bonecos porque estava na hora de escovar os dentes, tomar café e ir para a escola. Antes de sair do quarto, Helena, ou Rejane, ainda fez uma pergunta para os bonecos. Era uma coisa que a estava intrigando.
Eu botei nomes em vocês porque vocês não falavam e não podiam dizer seus nomes de verdade, certo?
Certo.
Quer dizer que todas as outras coisas neste quarto também têm nomes que a gente não sabe. Se pudessem falar, elas nos diriam qual é.
Exatamente.
Eu, por exemplo — disse Saralara —, sei que cama não se chama “cama”.
E como é que ela se chama? — quis saber Helena.
É “Frunfra” — disse Saralara.
E armário é “Bozório” — revelou Geraldo.
Tapete se chama “Abajur” — disse Eunice.
E abajur, como se chama? — perguntou Helena.
Carlos Henrique.
Helena contou tudo isto para os seus pais, que acharam engraçado mas não acreditaram muito. Os adultos não têm nenhuma imaginação.
Senta direito na cadeira — disse a mãe de Helena.
Cadeira, não — corrigiu Helena. — Sploct.

Luís Fernando Veríssimo, in O santinho

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