Muita gente acha que a ciência é uma
atividade sem emoções, destituída de drama, fria e racional. Na
verdade, é justamente o oposto. A premissa da ciência é a nossa
ignorância, nossa vulnerabilidade em relação ao desconhecido, ao
que não sabemos. A ciência é um flerte com o não saber, com o
desconhecido que nos cerca. Na pesquisa, existe sempre uma sensação
de insegurança, de não termos certeza se estamos indo na direção
certa. Muitas vezes, quando experimentos revelam novos aspectos da
Natureza que não haviam sequer sido conjecturados, a enorme
surpresa, a sensação de tatearmos no escuro, pode levar ao
desespero. E agora? Se nossas teorias não podem explicar o que
estamos observando, como ir adiante?
Nenhum exemplo na história da ciência
ilustra melhor esse drama do que o nascimento da física quântica,
que descreve o comportamento dos átomos e das partículas
subatômicas, e que está por trás de toda a revolução digital que
rege a sociedade moderna. Ao final do século XIX, a física estava
com muito prestígio. A mecânica de Newton, a teoria eletromagnética
de Faraday e Maxwell, a compreensão dos fenômenos térmicos, tudo
levava a crer que a ciência estava perto de chegar ao seu objetivo
final, a compreensão de toda a Natureza.
Ao menos assim pensavam vários físicos
eminentes. Grande engano. Para surpresa de muitos, experimentos
revelaram fenômenos que não podiam ser explicados pelas teorias da
chamada era clássica. Não se entendia por que corpos aquecidos
acima de certas temperaturas brilhavam com aquela luz avermelhada que
vemos nas brasas de uma fogueira. Não se entendia por que a luz
violeta podia tornar uma placa metálica eletricamente carregada,
enquanto a luz amarela nada fazia, deixando a placa eletricamente
neutra. Não se sabia se átomos eram ou não entidades reais, já
que a física clássica previa que seriam instáveis, com os elétrons
espiralando em direção ao núcleo atômico.
Gradualmente, ficou claro que uma nova
física era necessária para lidar com o mundo do muito pequeno. Mas
que física seria essa? Ninguém queria mudanças muito radicais. Ou
quase ninguém. A primeira ideia da nova era veio de Max Planck. Em
1900, ele propôs que átomos recebem e emitem energia em pequenos
pacotes, que chamou de “quanta”. Antes disso, todos achavam que
qualquer sistema emitia e recebia energia continuamente, feito quando
aquecemos um bule de água. Eis como Planck relatou seu estado
emocional ao propor a ideia do quantum: “Resumidamente, posso
descrever minha atitude como um ato de desespero, já que por
natureza sou uma pessoa pacífica e contrária a aventuras
irresponsáveis [...] quaisquer que fossem as circunstâncias,
qualquer que fosse o preço a ser pago, eu tinha que obter um
resultado positivo.”
O uso da palavra “desespero” é
revelador. Planck viu-se forçado a propor algo fundamentalmente
novo, que ia contra tudo o que havia aprendido até então e que
acreditava ser correto sobre a Natureza. Abandonar o velho e propor o
novo requer muita coragem intelectual. E muita humildade, algo que
faltava aos que achavam que a física estava quase completa. Planck
sabia que a física tem como missão explicar o mundo natural, mesmo
que a explicação contrarie nossas ideias preconcebidas. Os
experimentos não deixavam dúvida de que algo radicalmente novo era
necessário. Planck, modelo de integridade intelectual de um
cientista, sabia que seu compromisso com a Natureza era o único que
importava.
Nunca devemos arrogar que nossas ideias
tenham precedência sobre o que a Natureza nos diz. A ciência é um
jogo de pega-pega, e a Natureza está sempre na frente. Como Planck,
existem muitos cientistas que, deparando-se com resultados
misteriosos e surpreendentes, lutam para propor e aceitar ideias que
vão contra o que acreditam ser correto. Isto pode ser doloroso, mas
é essencial. Caso contrário, a insistência numa ideia se
transforma em cegueira. Talvez essa seja a lição mais importante da
ciência: que a Natureza nem sempre corresponde aos nossos anseios, e
que precisamos encará-la com a humildade de quem sabe muito pouco.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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