terça-feira, 27 de abril de 2021

A cabine

[Ahab faz moção de ir ao convés; Pip pega-lhe na mão para acompanhá-lo.]
Rapaz, rapaz, digo-te que não deves acompanhar Ahab agora. Aproxima-se a hora em que Ahab não quereria te afastar dele, e no entanto não te poderia manter com ele. Há algo em ti, pobre rapaz, que sinto ser remédio para a minha doença. O semelhante cura o semelhante; e para esta caçada minha doença é minha mais desejada saúde. Fica aqui embaixo, onde te servirão como se fosses o capitão. Sim, rapaz, hás de sentar-te aqui, na minha própria cadeira pregada; mais um parafuso nela, eis o que serás.”
Não, não, não! O senhor não tem um corpo inteiro, senhor; sirva-se de mim como se fosse a sua perna perdida; marche sobre mim, senhor; não peço mais do que isso, assim me torno parte sua.”
Oh! A despeito dos milhões de canalhas, isso faz de mim um fanático da indestrutível fidelidade do homem! – e um negro! e louco! – mas parece-me que aquele ‘semelhante cura semelhante’ também a ele se aplica; ele está tão razoável de novo.”
Contaram-me, senhor, que certa vez Stubb abandonou o pobre Pip, cujos ossos afogados agora estão brancos, apesar de todo o negro de sua pele em vida. Mas eu nunca o abandonarei, senhor, como Stubb fez com ele. Senhor, tenho de segui-lo.”
Se continuas a falar assim, o propósito de Ahab emborcará. Digo-te, não. Não pode ser!”
Oh, bondoso mestre, mestre, mestre!”
Chora assim, e eu te mato! Cautela, pois Ahab também é louco. Escuta, e ouvirás muitas vezes o meu pé de marfim no convés, e saberás que lá estou. E agora, deixo-te. A tua mão! – Feito! És fiel, rapaz, como a circunferência ao seu centro. Assim: Deus te abençoe para todo o sempre; e, se chegarmos a tanto, que Deus te defenda sempre, aconteça o que acontecer.”
[Ahab sai; Pip dá um passo à frente.]
Ele esteve aqui há um momento; estou no seu ar – mas estou sozinho. Oh, estivesse o pobre Pip aqui, eu poderia suportar, mas ele desapareceu. Pip! Pip! Ding, dong, ding! Quem viu o Pip? Ele deve estar aí em cima; vamos tentar a porta. O quê? Nem fechadura, nem ferrolho, nem tranca; e mesmo assim não abre. Deve ser o feitiço; ele disse para eu ficar aqui: sim, e disse que essa cadeira pregada era minha. Então, vou sentar-me, contra a trave, no meio do navio, toda a quilha e os três mastros diante de mim. Aqui, dizem nossos velhos marinheiros, nos seus negros navios de setenta e quatro canhões grandes almirantes sentam-se à mesa e presidem as fileiras de capitães e tenentes. Ah! O que é isso? Dragonas! Dragonas! As dragonas vêm aos montes! Passem os licoreiros; estou alegre em vê-los; encham os copos, monsieurs! Que sensação estranha, quando um menino negro recepciona homens brancos com galões dourados nos casacos! – Monsieurs, viram um certo Pip? – um rapazinho preto, cinco pés de altura, um tipo desprezível e covarde! Certa feita pulou de um bote baleeiro; – viram-no? Não! Pois bem, encham os seus copos, capitães, e bebamos à humilhação de todos os covardes! Não digo nomes. À sua humilhação! Ponham um pé em cima da mesa. À sua humilhação! – Silêncio! Lá em cima, ouço marfim – Oh, senhor, senhor! Fico deprimido quando você caminha sobre mim. Mas aqui ficarei, ainda que esta popa atinja os rochedos; e eles a arrombem; e as ostras venham se juntar a mim.”

Herman Melville, in Moby Dick

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