Aconteceu-me ganhar um suéter. Até aí
tudo parece simples. Mas não é.
Quem me mandou o suéter foi uma moça
que não conheço. Sei por intermédio de um amigo comum, que a moça
desenha extraordinariamente bem. Mora em São Paulo. Quando esteve no
Rio almoçou com nosso amigo. Estava com um suéter tão bonito que
meu amigo achou que ficaria bem em mim e encomendou um exatamente
igual ao dela. Aconteceu, porém, que a moça é minha leitora – ou
estou enganada? – e quando soube para quem era o presente fez
questão de ser ela própria a dá-lo a mim. O amigo aceitou.
E eis-me dona de repente do suéter mais
bonito que os homens da terra já criaram. É de um vermelho-luz e
parece captar tudo o que é bom para ele e para mim. Esta é a sua
alma: a cor. Estou escrevendo antes de sair de casa, e com o suéter.
Aliada à sua cor de flama e chama, ele me foi dado com tanto carinho
que me envolve toda e tira qualquer frio de quem se sinta solitária.
É uma carícia de grande amizade. Hoje vou sair com ele pela
primeira vez. Está ligeiramente justo demais, porém é possível
que assim deva ser: admitindo como gloriosa a condição feminina.
Terminada esta nota vou-me perfumar com um perfume que é meu
segredo: gosto das coisas secretas. E estarei pronta para enfrentar o
frio não só o real como os outros.
Sou uma mulher a mais.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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