domingo, 7 de março de 2021

O suéter

             Aconteceu-me ganhar um suéter. Até aí tudo parece simples. Mas não é.
Quem me mandou o suéter foi uma moça que não conheço. Sei por intermédio de um amigo comum, que a moça desenha extraordinariamente bem. Mora em São Paulo. Quando esteve no Rio almoçou com nosso amigo. Estava com um suéter tão bonito que meu amigo achou que ficaria bem em mim e encomendou um exatamente igual ao dela. Aconteceu, porém, que a moça é minha leitora – ou estou enganada? – e quando soube para quem era o presente fez questão de ser ela própria a dá-lo a mim. O amigo aceitou.
E eis-me dona de repente do suéter mais bonito que os homens da terra já criaram. É de um vermelho-luz e parece captar tudo o que é bom para ele e para mim. Esta é a sua alma: a cor. Estou escrevendo antes de sair de casa, e com o suéter. Aliada à sua cor de flama e chama, ele me foi dado com tanto carinho que me envolve toda e tira qualquer frio de quem se sinta solitária. É uma carícia de grande amizade. Hoje vou sair com ele pela primeira vez. Está ligeiramente justo demais, porém é possível que assim deva ser: admitindo como gloriosa a condição feminina. Terminada esta nota vou-me perfumar com um perfume que é meu segredo: gosto das coisas secretas. E estarei pronta para enfrentar o frio não só o real como os outros.
Sou uma mulher a mais.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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