Tentativa e erro, experimentar o novo,
entender que algumas questões têm respostas complexas ou podem
mesmo não ter uma resposta, cultivar a noção de que o fracasso é
essencial para o progresso, aceitar que erros são o que nos fazem
eventualmente acertar, saber persistir quando as dificuldades parecem
não acabar nunca: essas são algumas componentes da pesquisa
científica, uma espécie de sabedoria acumulada através dos tempos
que, acredito, é também muito útil em vários aspectos da vida,
desde como enfrentar desafios individuais até como reger empresas.
Se contarmos de Galileu em diante, são mais de quatrocentos anos de
ciência, de desenvolvimento de uma metodologia que transformou e
continua transformando o mundo. Se a ciência teve tanto sucesso, não
foi porque o caminho em frente era óbvio; pelo contrário, foi por
ele ser imprevisível e cheio de obstáculos.
A Natureza não nos diz o que fazer, como
achar padrões de comportamento, como descobrir leis matemáticas que
regem os fenômenos naturais. O que conseguimos descobrir até agora
é fruto de nossa diligência, perseverança e criatividade. Quem
poderia imaginar que a mesma força que é responsável pela queda de
uma maçã é, também, responsável pela órbita da Lua em torno da
Terra e da Terra em torno do Sol? Quem poderia adivinhar que a
eletricidade e o magnetismo são manifestações de um campo
eletromagnético que se propaga através do espaço na velocidade da
luz? Quem poderia adivinhar que as espécies animais evolvem devido a
mutações genéticas aliadas ao processo de seleção natural? Esse
conhecimento não veio do nada; exigiu muita coragem intelectual,
disciplina de trabalho e tolerância ao erro.
Para fazer ciência de qualidade, é
necessário entender a tensão entre a experimentação e a aceitação
do erro. Assim funciona o processo de tentativa e erro, quando
tentamos estratégias diferentes para chegar ao resultado desejado.
Para tal, é preciso tanto criatividade (para propor estratégias
diferentes) quanto tolerância (para aceitar o erro e ir em frente).
Se temos pouca experiência escalando montanhas, não devemos nos
aventurar a subir um pico difícil. A estratégia adequada é
expandir nossa habilidade gradativamente, até obter uma boa base
técnica, para só então tentar a escalada mais ambiciosa.
Aprendemos com nossos erros, usando o
fracasso como guia. Tomamos riscos, sempre com a intenção de nos
preservar no processo. Alpinistas não querem cair. Pesquisadores não
querem (ou, ao menos, não devem) investir recursos excessivos num
projeto que, mesmo após longo tempo, dá poucos frutos. Não
queremos que persistência vire cegueira. Em um determinado momento,
temos que ter coragem de deixar uma ideia para trás, ainda que seja
difícil fazê-lo. Para que um projeto tenha sucesso, precisamos nos
dedicar a ele de corpo e alma. Porém, se após várias tentativas,
as coisas não avançam, temos que ir em frente.
Dar uma parada para avaliar em que
estágio estamos, discutir ideias com colegas, ouvir críticas e
aprender com elas são procedimentos essenciais na pesquisa
científica, e podem ser muito úteis em outras atividades. Se as
coisas não funcionam, precisamos deixar o orgulho e a vaidade de
lado e aceitar que falhamos. Todo cientista sabe muito bem que a
maioria das suas ideias não vai funcionar. Resolutos, vamos em
frente, estando abertos a críticas e, mais importante ainda, sabendo
respeitar evidências contra o que estamos propondo. (Ou celebrar
aquelas a favor.) Aprendemos porque sabemos aceitar nossa ignorância.
Meu avô costumava dizer que quem usa um
chapéu muito grande não enxerga o que tem pela frente. A arrogância
é uma forma de cegueira. Na ciência, e em qualquer outra área de
trabalho, é bom lembrar as sábias palavras de Isaac Newton –
mesmo que o próprio, ao longo da vida, não tenha sido o que
chamaria de um modelo de humildade profissional: Não sei o que possa
parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como
um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de
encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais
bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece
completamente por descobrir à minha frente.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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