segunda-feira, 8 de março de 2021

O que a ciência nos ensina sobre a arte de viver

          Tentativa e erro, experimentar o novo, entender que algumas questões têm respostas complexas ou podem mesmo não ter uma resposta, cultivar a noção de que o fracasso é essencial para o progresso, aceitar que erros são o que nos fazem eventualmente acertar, saber persistir quando as dificuldades parecem não acabar nunca: essas são algumas componentes da pesquisa científica, uma espécie de sabedoria acumulada através dos tempos que, acredito, é também muito útil em vários aspectos da vida, desde como enfrentar desafios individuais até como reger empresas. Se contarmos de Galileu em diante, são mais de quatrocentos anos de ciência, de desenvolvimento de uma metodologia que transformou e continua transformando o mundo. Se a ciência teve tanto sucesso, não foi porque o caminho em frente era óbvio; pelo contrário, foi por ele ser imprevisível e cheio de obstáculos.
A Natureza não nos diz o que fazer, como achar padrões de comportamento, como descobrir leis matemáticas que regem os fenômenos naturais. O que conseguimos descobrir até agora é fruto de nossa diligência, perseverança e criatividade. Quem poderia imaginar que a mesma força que é responsável pela queda de uma maçã é, também, responsável pela órbita da Lua em torno da Terra e da Terra em torno do Sol? Quem poderia adivinhar que a eletricidade e o magnetismo são manifestações de um campo eletromagnético que se propaga através do espaço na velocidade da luz? Quem poderia adivinhar que as espécies animais evolvem devido a mutações genéticas aliadas ao processo de seleção natural? Esse conhecimento não veio do nada; exigiu muita coragem intelectual, disciplina de trabalho e tolerância ao erro.
Para fazer ciência de qualidade, é necessário entender a tensão entre a experimentação e a aceitação do erro. Assim funciona o processo de tentativa e erro, quando tentamos estratégias diferentes para chegar ao resultado desejado. Para tal, é preciso tanto criatividade (para propor estratégias diferentes) quanto tolerância (para aceitar o erro e ir em frente). Se temos pouca experiência escalando montanhas, não devemos nos aventurar a subir um pico difícil. A estratégia adequada é expandir nossa habilidade gradativamente, até obter uma boa base técnica, para só então tentar a escalada mais ambiciosa.
Aprendemos com nossos erros, usando o fracasso como guia. Tomamos riscos, sempre com a intenção de nos preservar no processo. Alpinistas não querem cair. Pesquisadores não querem (ou, ao menos, não devem) investir recursos excessivos num projeto que, mesmo após longo tempo, dá poucos frutos. Não queremos que persistência vire cegueira. Em um determinado momento, temos que ter coragem de deixar uma ideia para trás, ainda que seja difícil fazê-lo. Para que um projeto tenha sucesso, precisamos nos dedicar a ele de corpo e alma. Porém, se após várias tentativas, as coisas não avançam, temos que ir em frente.
Dar uma parada para avaliar em que estágio estamos, discutir ideias com colegas, ouvir críticas e aprender com elas são procedimentos essenciais na pesquisa científica, e podem ser muito úteis em outras atividades. Se as coisas não funcionam, precisamos deixar o orgulho e a vaidade de lado e aceitar que falhamos. Todo cientista sabe muito bem que a maioria das suas ideias não vai funcionar. Resolutos, vamos em frente, estando abertos a críticas e, mais importante ainda, sabendo respeitar evidências contra o que estamos propondo. (Ou celebrar aquelas a favor.) Aprendemos porque sabemos aceitar nossa ignorância.
Meu avô costumava dizer que quem usa um chapéu muito grande não enxerga o que tem pela frente. A arrogância é uma forma de cegueira. Na ciência, e em qualquer outra área de trabalho, é bom lembrar as sábias palavras de Isaac Newton – mesmo que o próprio, ao longo da vida, não tenha sido o que chamaria de um modelo de humildade profissional: Não sei o que possa parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece completamente por descobrir à minha frente.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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