Aliás e não obstante, como eu estava
dizendo. Meter a língua onde não se foi chamado é esticar a dita
cuja cheia de palavrinhas antigas e deixar de lero-lero e mas-mas.
Não amolar com nhenhenhém muxiba, mixuruca e xarope. É soltar o
verbo como se fosse um bife do Lamas. No capricho.
Esticar a língua na maciota é se valer
de todo o baita charivari de expressões que fomos deixando pra trás,
mais ou menos lá onde o Judas perdeu as botas. É deixar de lado
essa prosa cheia de nove horas, cheia de dedos desses otários
metidos, gente que paga a maior goma para falar alavancar e
customizar, achando que isso é coisa de quem tomou tenência na
vida. Ora, vão pentear macaco, seus convencidos! Conversa mole pra
boi dormir!
Gosto que me enrosco é de botar os bofes
pra fora. Deixar a língua no vai-da-valsa, sacumé?, metendo bronca,
ora aqui ora ali, sem lesco-lesco e derrubando os paradigmas tacanhos
de que as palavras, como o bambolê e o óleo de fígado de bacalhau,
foram feitas para passar. Eu te proponho nós nos amarmos, nos
entregarmos e ainda por cima, por obséquio, arrumar o maior bololô
com esse papo pancada. Ou quantos discursos mais desses serão
necessários ainda até que se reinstaure na língua praticada a
evidente beleza sonora de anunciar que fulano, ou que sicrano, ou que
beltrano, infelizmente, não virá. Que o energúmeno tá borocoxô!
Ou seja, garotada, o cara da pá virada tá totalmente down. Eu sei
que um bom menino não faz pipi na cama, que uma boa menina não fica
falada nem se de paquete e sei acima de tudo que um bom cronista, por
mais que lá de baixo a turbamulta grite “pula, pula”, um bom
cronista nunca deve repetir o truque sob o risco de, atendidos os
pedidos, diante do corpo estendido no chão, alguém passe a muxoxar
macambúzio – ih, caramba, olha aquele cocoroca tantã azucrinando
de novo com a parada da língua retrô! Para alguns pode parecer que
é fogo na roupa, de lascar o cano. Que ganhar o ordenado assim é
sopa no mel. Mas, se vale a pena ver de novo as novelas da Globo, a
leitora Cecília Pontual Romano quer ver de novo todo mundo, seja
manteiga derretida ou aquela bruaca cheia de goró, todo mundo
falando beleléu, cucuia, fuinha, desmilinguida e o que mais couber
nesse estrogonofe de letrinhas que lembra a mãe dela, a minha
escola, a nossa rua.
De uma mulher gostosa, boas pernas,
dizia-se possuidora de um tremendo mocotó! Era uma uva. Vestida de
négligé preto, era supimpa. O rapaz não tinha bíceps, mas muque.
Era um pão, embora quase todos sofressem de espinhela caída. Uns
bilontras. Parlapatões. Biltres. Jilós. É um tipo de memória
verbal que foi sendo demolida do patrimônio comum da mesma maneira
neurastênica, um faniquito, um fricote, que fizeram com o Monroe da
Cinelândia. São ideias furrecas, estabanadas e escalafobéticas que
entram de chanca, como se um quarto-zagueiro fossem, no joelho da
nacionalidade.
Vamos, pois, meter de novo a língua, de
fuzarca, frege ou fuzuê que seja, no borogodó delas. Feche os olhos
e sinta o peso da bilabial explodindo sonora a boca do balão: tem
bububu no bobobó! É bárbaro! Meu bambambã! Que buzanfã!
Ao contrário do Morro do Castelo, que
caiu em 1922 mas se deixou registrar em milhares de fotos, algumas
dessas palavras sequer foram dicionarizadas – e não adianta, no
meio de algum rififi, quando estiver esculhambando geral com a
patota, você ficar repetindo para os seus filhos que eles são
garganta, ó, só gogó. Eles têm todo o direito de não acreditar
que ainda há pouco, não só à boca pequena, não só num sururu
rastaquera, todos falavam assim. Eles vão ter um treco de tanto rir
e você, depois de gastar tamanho tremelique, depois de chamá-los de
entupidos, é que vai ficar no ora veja.
À bangu, tá me entendendo? À neném,
saca?
Língua também brinca de moda. É mais
fácil, para um garoto de 15 anos, enfiar um piercing nela do que
enfiar ela nas palavras muquirana, estrupício, desengonçado e
encasquetar. Fazer o quê, mano maluco? As novas gerações ouvem
essas palavras e, da mesma maneira que avaliam o mocotó das
certinhas do Lalau, acham que eram apenas senhoras gordas. Embromação
chué, perrengue invocado e o escambau a quatro.
É bem provável que se a vovó disser
pára de se enrabichar por aquela porqueira, e o vovô responder que
a oferecida quer rosetar mas não é com ele – é bem possível, e
com toda a razão, que o netinho ponha ordem nessa balbúrdia
gritando ei, óia o auê aí, ô!
Não se quer, de jeito nenhum, folgar com
a evolução semântica. Seria de amargar, forçar a natureza do
português. O vestido trapézio foi esquecido, é natural que tenha
acontecido o mesmo com o conheceu, papudo!? De vez em quando, porém,
tire uma onda. Da mesma maneira que o rock toda hora vai ao túmulo
do Elvis e pega um fio de ideia no topete do cara, o papo deveria
brincar também com essas sonoridades supimpas. É preciso apenas o
timing certo.
Eu seria pamonha demais, coió mesmo, se
chegasse com a corda toda para a estagiária e achasse que teríamos
um cacho se lhe elogiasse a tribal no cóccix com o sussurrar galante
uau, broto, ficou um estouro.
A língua, quando mexe e muda de lugar,
você sabe, aí é que aumenta o prazer. Brinque com a memória dela.
E que ninguém venha com o muxoxo de azia, não é minha tia. Língua
é mãe.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em Busca do Borogodó Perdido
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