Então. Haverá coisa mais irritante do
que pessoas que começam frases, tomam fôlego na conversa e
substituem suas vírgulas pelo famigerado “então”? Pois então.
É uma das pragas da fala moderna,
sucessora legítima do “a nível de”, do “enquanto pessoa” e
do “vou estar lhe enviando” das décadas passadas. O “então”
é mais perigoso por sutil. Trata-se de vírus oportunista, quase um
aparentado desse doping invisível que os atletas andam tomando para
encher de fôlego o pulmão – só que, no nosso caso, a ideia é
dar um gás na frase. É difícil notar o “então”. Quando você
percebe, crau!, a palavrinha já lhe é dona de todo o discurso – e
aí, meu caro, aí, para rebater a idiotia, só 12 ampolas diárias
de Drummond na veia do crânio. Ao dormir, pílulas e mais pílulas,
sem copo d’água, de Zuenir Ventura.
O “então”, disfarçado em sua
insignificância curta, oca de sentido, não chega a ter o peso
sonoro de uma palavra cretina como “instigante”, outra muleta que
segurou muito papo perneta. Mas é da turma. Pretende a mesma pose.
Arrota igual data vênia e cerimônia, esses fardões cheirosos de
naftalina que deixam o brasileiro médio como barata tonta quando
abre a boca para morder a semântica. Somos um bando de ingnorantes
vernaculares, seus creyssons da vida, todos complicando o papo
para ver se ganham a namorada com a ponta da língua. Achamos que
“agregar valor” é suficiente para esconder a burrice
generalizada. Eu “agarântio” que não.
Já reparou que não há mais bem e mal?
Antes, para facilitar ainda mais de que lado da humanidade estava, o
sujeito se dizia Marlene ou Emilinha – e, pronto, você já sabia
qual era a do cidadão. Mudou. Agora ou se é “orgânico”, a
alcunha para os novos representantes do bem, indivíduos de
personalidade clara e sem armação, ou se é “transgênico”, uma
espécie de Tião Medonho com aditivos da moderna biogenética moral.
Então. Que tal o ridículo?
Parecemos, com essa mania de contrariar o
poeta e, ao invés de cortar palavras, acrescentar um monte delas,
parecemos eternos cavalos incorporando o discurso daquele deputado
barroco baiano sobre a necessidade de mais “sinergia”, mais
“transparência”. Lula, com a boca cheia de “veja bem”,
“acompanhe meu raciocínio” e “estou convencido”, é o
presidente da hora. Adora apoiar suas imagens futebolísticas com o
uso de muitos “inclusive”, outro queridinho dessa galera, todos,
os “inclusive”, significando o mesmo que todos os “então” –
nada vezes nada.
O clichê é uma moda que se usa na
língua e dói tanto, só que na orelha do outro, quanto um piercing.
Todo mundo ao mesmo tempo vestindo expressões que, ao usuário
despreparado, dão a impressão de que abafam geral. Na verdade, são
apenas patetices vãs, repetições de milésima mão ouvidas de um
guru já morto. Quem sabe sabe, fala diferente. Segue a trilha, se
não a do “nonada” de Guimarães Rosa, a do maluco beleza Raul
Seixas: eu vou desdizer agora o oposto do que disse antes. Outras
palavras, eis a grande música.
De uma hora para outra, com a mesma
voracidade que as mulheres de sempre foram atrás dos cabelos
vermelhos da fulaninha na novela das oito, as “sensíveis”
adotaram esquisitices sociológicas que pescaram num talk-show.
Descobriram que o verbo pode ser fashion e serve para se tentar
ostentar, baratinho, apenas com o esforço de abrir os dentes, o
mesmo status de uma Fendi que custa os tubos.
Enfim, então. Doces peruas ingênuas. Já
enroladas com a dificuldade de diferenciar uma bolsa falsa da
verdadeira, agora fuçam as prateleiras das palavrinhas em busca das
últimas novidades. Continuam comprando gato, lebre e qualquer bicho
de óculos que discurse o emperiquitado dicionário do politicamente
correto.
É um tal de “inclusão” digital,
“exclusão” civil, que, inclusive, só rindo. Antes reclamava-se
pão e leite para o populacho faminto. Hoje, para esses mesmos
desvalidos, exige-se “cidadania”. Parece que “cidadania”, com
o longo percurso de suas cinco sílabas, é uma comida com mais
caroço de feijão e proteína animal. Nada disso. É só gordura
verbal. Não faz músculo no cérebro. Tudo banha “midiática”
metida a “atitude” e “estilo”.
Então. De todo esse neopernosticismo, o
mais consagrado de todos talvez seja o uso atual para o verbo
“retornar”. Antes, coitado, vivia lá na dele, quase sempre em
placas do DNER, empregado apenas no sentido viário. Subitamente
passou a ser adotado no âmbito telefônico da coisa. Vem sempre
acoplado ao futuro do presente com gerúndio, o “eu vou estar lhe
retornando a ligação”. É obra e desgraça das moças do
telemarketing paulista, gente que precisa juntar um punhado de
palavras sem sentido, anestesiar até o pâncreas do teleouvinte,
para, outra vez, crau!, deixá-lo tonto o suficiente para comprar
algum plano de saúde. Retornar a língua comum, que é bom, isso
ninguém parece que vai estar retornando tão cedo.
A língua crua com a subversão
espontânea das gírias e, como pedia o poeta, sem arcaísmos, sem
erudição, natural, neológica, com a contribuição milionária de
todos os erros – uma língua gostosa dessas não sai na Caras. Tá
out. No tempo das falsas celebridades, já que não é possível
repetir as sobrancelhas da Malu Mader, incorporamos o que se imagina
a fala dos bacanas. E tome de palavras difíceis, de sentido vago,
garimpadas na literatura boboca da auto-ajuda e na arrogância
PUC-Unicamp de professorar com um ovo na boca.
Tudo mentira. Tudo pose e jogo de
inclusive, num mundo de aparências verbais cheio de “recorte”
otário, de “viés” chinfrim e outros modismos de então.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em Busca do Borogodó Perdido
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