Recentemente, dei uma palestra num evento
empresarial para duzentos executivos da área de seguros. Mesmo que
tenha ocorrido fora do Brasil, minha experiência é que as coisas
não teriam sido muito diferentes em qualquer cidade brasileira. Meu
objetivo era inspirar o grupo a embarcar numa reflexão bem macro,
provocando-os gentilmente com perguntas de caráter existencial que,
na correria do dia a dia, tendemos, convenientemente, a deixar de
lado. Os organizadores pediram que falasse sobre nosso lugar no
Universo, sobre o que as descobertas da ciência moderna têm a nos
dizer sobre nossas origens cósmicas e nossa busca por sentido, sobre
nossa função como espécie pensante, e sobre nosso futuro na Terra.
Comecei explicando que somos criaturas
flanqueadas por dois momentos essenciais no tempo, e que a história
de nossas vidas se dá entre eles, o nascimento e a morte. Da mesma
forma, as estrelas no Universo também têm suas histórias, com um
começo e um fim. Considero a consciência que temos da passagem do
tempo nossa característica mais marcante: sabermos que existimos e
que nossa existência inevitavelmente chega ao fim. (Quando disse
isso, percebi que alguns dos executivos sorriram, provavelmente os
que trabalham com seguro de vida.)
Argumentei que muito da criatividade
humana, os poemas e sinfonias, a literatura, as ciências e as ideias
filosóficas, a soma de nossas obras culturais, pode ser visto como
uma resposta ao fato de sermos criaturas cientes do nosso destino,
tentativas, de alguma forma, de colorir a existência com o que temos
de melhor, fazendo cada dia valer a pena. O amor, o sexo, o poder, as
relações são as placas ao longo do caminho que, durante nossas
vidas, nos levam nessa ou naquela direção.
Afinal, somos produtos de nossas
escolhas, boas ou más. Continuei discutindo a questão das origens:
do Universo, das estrelas, da vida, explicando que praticamente todas
as culturas que existiram e existem, dos egípcios aos maias, dos
ianomâmis à ciência moderna, ofereceram uma narrativa da Criação,
uma tentativa de entender de onde veio tudo o que existe no mundo,
inclusive o próprio. Olhar para as estrelas numa noite sem lua,
longe das luzes da cidade, ver tantas delas, nos faz querer saber se
existem outras criaturas vivendo nos planetas e luas que giram ao seu
redor, ao mesmo tempo semelhantes e diferentes de nós.
Será que estão, também, olhando para
as estrelas, se questionando se estão sozinhas no cosmo? E que tipo
de inteligência teriam? Individual? Coletiva? Máquinas que
ultrapassaram a fase da carne e osso? Ou serão elas algo
completamente insuspeitado por nossas mentes? Quando pensamos que,
apenas na nossa galáxia, existem em torno de 200 bilhões de
estrelas, o Sol sendo apenas uma delas, fica difícil não imaginar
essas coisas, especialmente agora, que sabemos que a maioria das
estrelas tem planetas girando à sua volta, e que muitos destes têm
luas.
São, portanto, trilhões de mundos lá
fora, cada qual único, com sua história e possibilidades. Mostrei
imagens belíssimas, tiradas pelo Telescópio Espacial Hubble e por
outros, de robôs motorizados rondando pela superfície de Marte,
fotos de outros mundos, revelando seus segredos, máquinas
controladas por cientistas e engenheiros aqui na Terra, uma mágica
que só não é mágica porque é real. Sugeri à minha audiência
que essas máquinas maravilhosas, que tanto nos revelam sobre o
Universo e, por consequência, sobre nós, deveriam ser celebradas
como grandes feitos da humanidade, ao lado das pirâmides, das
catedrais medievais, da arquitetura de Brasília ou Barcelona, da
Mona Lisa, das sinfonias de Mahler e das canções dos Beatles e do
Tom Jobim.
Expliquei que, ao contrário do que
muitos pensam, e como argumento em meus livros A ilha do conhecimento
e A simples beleza do inesperado, quanto mais aprendemos sobre o
Universo, mais relevantes ficamos, máquinas moleculares que somos,
capazes de imaginar e de descobrir aspectos da realidade muito além
da nossa percepção. Tentei, com palavras e imagens, celebrar a
criatividade humana e a beleza austera do Universo, capazes de criar
e destruir com inacreditável beleza e fúria.
Argumentei que o trágico e o sublime
são, como as duas faces de Jano, aspectos inseparáveis da
existência, partes do mesmo todo. Argumentei, ainda, que somos
relevantes por sermos únicos, que somos criaturas especiais
justamente por não termos sido criadas como parte de algum plano
maior. Terminei explicando que é justamente por sermos únicos no
Universo, por nosso planeta ser único na galáxia, que devemos nos
unir como espécie e lutar pela nossa sobrevivência e a do nosso
planeta, indo, finalmente, além das divisões tribais que dominaram
e que dominam até hoje nossa história coletiva, e que tanto
destroem. Ao fim disso tudo, tão inexorável quanto a passagem do
tempo, me fizeram a pergunta inevitável: “Mas, afinal, o senhor
acredita ou não em Deus?”
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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