A mais velha das minhas filhas disse
“demorô”, no que foi imediatamente seguida pela irmã que também
concordava e garantia estar plena de satisfação com a mesada que eu
lhes pingava na carteira – “formô”, agradeceu.
Ser brotinho é conjugar, nem aí para
esses lances de passado e futuro, todos os verbos no tempo ô-ô-ô,
tipo assim, “abalô”. É teletransportar o sentido das palavras
de um lado para o outro, achar sinistra uma coisa muito legal, chamar
de cruel um sujeito superbacana, como se a língua fosse o Noturno,
aquele personagem todo azul do “X-Men 2” que está em vários
lugares ao mesmo tempo significando coisas diferentes. Se nada faz
sentido, se não dá para entender quase nada por trás das portas do
“Matrix”, por que implicar se, para os jovens, o que é bom
“bombô”? Ora, fala sério.
Ser brotinho é antes de mais nada zoar
do tio na maior, cair na gargalhada quando ele vem com essas paradas
de brotinho plagiadas do Paulo Mendes Campos. É retrucar com graça,
petelecando o piercing na sobrancelha, que broto é aquela coisa de
feijão, sabe como?, que se vende junto com os gnomos fofinhos nas
lojas do Mundo Verde.
Ser brotinho, ser jovem, ser gataria, ser
o que for abaixo dos 20 hoje é muito mais maneiro do que lá pelo
final dos anos 40, quando Paulo Mendes Campos conseguiu perfilar a
turma numa crônica feita de brisa catita. Paulo, grande artista,
usou a mesma brisa com que o Criador enfuna as velas dos brotinhos de
todas as épocas. Mas, no texto, talvez porque ainda não fosse
costume adolescente, não há um único beijo. Pode?! Eu não
a-cre-dito! São quatro páginas, sequer um selinho, nada de
splish-splash. Ninguém merece!
Eu fui parar numa festa adolescente dias
atrás e aprendi que ser maluca, ser mina, ser moleque, como eles
agora se tratam carinhosamente nas internas, é acima de tudo beijar
alguém por quatro minutos e, quatro minutos depois, estar beijando
outro alguém por mais quatro. Noves fora, no fim do mês não dá
outra no boletim – zero em matemática.
O brotinho pós-moderno beija
muiiiiiiito, sempre seguindo a inclinação do momento e o que urgem
as enzimas. Leia na minha camisa: “No stress”. Não quer
permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um violinista
estrangeiro de quinta categoria – caraca, mané! como a musa de
Paulo Mendes. Ela beija como se degustasse um donnut daqueles
pequenos, primeiro um de cereja tropical, depois um de creme havana,
tão certa está que há doces demais a serem provados na lanchonete
desta vida e que, dos amargos, dos azedinhos, a mamãe já chupou
todo o pé de tamarindo.
Perguntei então, bem ao estilo tio – e
daí? Uma delas, acho que clubber, com piercing na língua, me disse
que sua lenda pessoal era encarar a vida sem pressa – mas que tinha
de ser agora. A gatinha foi sincera. Tinha lido esse pensamento,
irado, na propaganda das botinhas Cally.
Ser paty, hippie, cybermina, ou qualquer
outra delícia sub-20, é se fazer de songamonga. É fingir não
perceber que, sessenta anos depois de Paulo Mendes Campos dizer que
ser brotinho era viver num píncaro azulado, isso numa época em que
não se sabia beijar de língua, ser brotinho hoje é melhor ainda. O
mundo gira ao redor e em louvor do umbiguinho malhado delas,
obrigando tios, mamis, papis, demais over – 30, a entrar na fila
para ver o Wolverine, ouvir Avril Lavigne, passar gloss
abacate-tudo-de-bom. E sem chorumela, coroas. Hollywood rendeu-se, a
Emi Records e a Helena Rubinstein foram atrás. O poder-broto manda.
Ser grunge, básica, bicho grilo,
modelete, o que mais aos 15, 16, 17 se possa ser com a graça dos
anjos e das Superpoderosas, é mandar torpedos celulares para o
garoto meia dúzia de anos mais velho, uma mensagem sem nada
registrado além de um :), o que na linguagem escrita delas equivale
ao que Adélia Prado quis dizer tempos atrás com o seu “mulher é
desdobrável, eu sou”. Amam de paixão (“você não tem noção
de como ele é gato!”) o cabelo em polvorosa do galã das cinco na
televisão. Mas andam tomadas de um sentimento muito terno por um VJ
feio que diz versos tristes na MTV, talvez porque, sei lá, talvez
porque ele se pareça tanto com aquele gato magrinho que elas pegaram
um dia, abandonado na chuva, levaram para casa e a mãe ficou muito
pê da vida.
Ser gatinha é ficar passada com tanta
incompreensão, meu Deus do céu!, e, trancada no quarto por dois
dias, desabafando tudo no blog, agradecer na orelha de cada ursinho,
bem baixo para que ninguém ouça o mico, pela solidariedade tão (ai
que pregui de falar essa palavra!) desinteressadamente pelúcia.
Depois, do nada, rir muito.
Rir de achar que vai morrer antes de ter
tirado a coreografia do último clipe da Madonna. Telefonar para a
Pó, para a Lê, a Jô, contar essa história e rir de novo,
combinadas mais uma vez que, feito os personagens de “Friends”,
feito os brotinhos do cronista, não crescerão jamais. Que nada,
nananinanão, terá a mínima importância. Que tudo passa, mas
adolescerão para sempre. Quão insana e bizarra é a vida sobre esse
videogame chocante chamado Terra.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em Busca do Borogodó Perdido
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