Veio o vento frio, e depois o temporal
noturno, e depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e
ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade entardeceu em
brumas. Então o homem esqueceu o trabalho e as promissórias,
esqueceu a condução e o telefone e o asfalto, e saiu andando
lentamente por aquele morro coberto de um mato viçoso, perto de sua
casa. O capim cheio de água molhava seu sapato e as pernas da calça;
o mato escurecia sem vaga-lumes nem grilos.
Pôs a mão no tronco de uma árvore
pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as gotas
de água como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade
murmurava, estalava com seus ruídos vespertinos, ranger de bondes,
buzinar impaciente de carros, vozes indistintas; mas ele via apenas
algumas árvores, um canto de mato, uma pedra escura. Ali perto,
dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava, batia
outra vez, interminável, paciente, melancólico. Alguém, com
certeza já sem esperança, insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu
pensamento para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão
era um dos milhões de atos falhados da vida urbana. Pensou no
desgaste nervoso dessa vida, nos desencontros, nas incertezas, no
jogo de ambições e vaidades, na procura de amor e de importância,
na caça ao dinheiro e aos prazeres.
Ainda bem que de todas as grandes cidades
do mundo o Rio é a única a permitir a evasão fácil para o mar e a
floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos homens
e a natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos — mas um
camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo,
e o homem ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida
silenciosa e úmida das árvores, e à pedra escura, com sua pele de
musgo e seu misterioso coração mineral.
E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz
naquele começo de escuridão, sentiu vontade de deitar e dormir
entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num grande
sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e
folhas, seu tronco seria um tronco escuro, grosso, seus ramos
formariam copa densa, e ele seria, sem angústia nem amor, sem desejo
nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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