Para Claudia Mello
Alguém disse que, para sua idade, ela
estava ótima. Impressionante. Ninguém dizia, parecia até oito, dez
anos a menos. As amigas da filha se admiram. A mãe delas não é tão
jovial assim. Jovial, ela pensa. Jovial é a velha que tem espírito
jovem. Nenhum jovem é jovial.
O médico disse: na sua faixa de idade, é
isso e isso e isso o que se espera, entende? Ela não ficou feliz.
Não queria pertencer a uma faixa. Esticava a pele no espelho,
vendo como era seu rosto de antes. Ficava feio, artificial.
Experimentou tirar uma fotografia de si
mesma rindo. Contou quarenta e oito rugas embaixo e nas laterais dos
olhos, mais no lado esquerdo do que no direito. Será por ser
canhota?
Ela ficava olhando as fotos antigas, o
rosto liso, o sorriso de quem não desconfia de que a velhice virá
um dia, e com ela o sorriso da morte e dos netos, o passado promissor
e o futuro inviável. Nas fotos de agora, essas de celular, seu
olhar, mesmo quando sorria, não esperava mais nada. Não havia a
pupila saltando para a frente, uma credulidade. Faria uma plástica,
um preenchimento, adiantaria?
Ainda não era bem velha. Era de
meia-idade. Odiava esse “meia”, igual à “faixa”. Uma
senhora. Conservada, enxuta. Soava como se ela estivesse
acondicionada em um pacote a vácuo, cuja validade expiraria em “x”
anos; ou como um daqueles produtos que, quando abertos, fazem um
barulho do ar saindo e então tudo murcha dentro da embalagem.
Que ela não exagerasse, os filhos
diziam. Ainda tinha tanto tempo pela frente, era tão produtiva, que
não chorasse de barriga cheia.
Mas e umas manchas marrons nas mãos e
nas pernas? Quem iria contá-las junto com ela, a quem dizer que não
é nada disso, não a morte nem a velhice, mas a vida, a vida mesmo,
a face do tempo nas comissuras da boca, que caem, formando bolsas nas
laterais das bochechas, ter chegado ao meio, a dois terços, três
quartos, não sei, ter se estabelecido, os filhos grandes e a velhice
por aguardar, uma velhice tranquila, o sucesso, os frutos colhidos do
que se plantou, as dívidas pagas, tempo de receber, é justo, afinal
você já fez tanto, agora os outros é que vão te reconhecer, a
quem contaria a tristeza dessa plenitude? Com quem dividir a angústia
dos provérbios enfim confirmados?
Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou
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