— Sr. presidente, eu acho… —
começou o orador, logo aparteado pelo líder:
— Perdão, vossa excelência não acha
nada. É claro que o nobre deputado está de acordo com o pensamento
do nosso partido.
— O nosso partido — tentou dizer o
orador, e não prosseguiu, pois o líder e o primeiro vice-líder
acudiram uníssonos:
— O nosso partido não está em
discussão, aliás nunca pode estar em discussão. E vossa excelência
sabe disso.
— Muito bem — confirmou o segundo
vice-líder. — Não pronunciemos em vão o seu santo nome.
— É o que sempre digo aos nossos
correligionários — interveio o terceiro vice-líder, chegando
afobado ao recinto.
— Mas — tentou prosseguir o orador,
que só tinha direito a este nome porque se inscrevera para falar,
embora ainda não fizesse jus a ele.
— Não há mas nem porém nem todavia
nem contudo no vocabulário de nossa pujante agremiação —
sentenciou o líder. — O ilustre parlamentar que enobrece as nossas
fileiras certamente não vai erigir o mas em bandeira partidária.
Vai, pelo contrário, condenar esta anomalia, incompatível com a
filosofia construtiva, otimista e desenvolvimentista do nosso
valoroso partido, que apoia incondicionalmente a belíssima
orientação do excelentíssimo doutor atual presidente da República.
O orador em perspectiva acenou com a
cabeça que sim e sentou-se. Aprendera que toda palavra é escândalo,
e que para evitá-lo todas as palavras são oportunas.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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