O famoso escriba Abdalláh bin
Almuqaffa‘ contou a alguns amigos nossos:
Bin Juzám Axxábi costumava ir conversar
comigo, e às vezes me acompanhava até minha casa, ali permanecendo
até que o dia refrescasse. Eu o conhecia pela grande avareza e
enorme riqueza. Certa vez, insistiu comigo para que eu lhe
retribuísse as visitas, e eu me empenhei em recusar a oferta. Então
ele disse:
— Seja eu o seu resgate! Por acaso você
supõe que eu sou daqueles que têm gastos para recepcionar quem os
visita e está com pena de mim? Não, por Deus! A refeição não
passará de umas migalhas secas, sal e água na jarra!
Imaginei então que ele pretendia
cativar-me e diminuir, aos meus olhos, os encargos que teria. Pensei:
isso é semelhante a alguém que diz: “Garoto, sirva-nos uma
migalha” ou “Ofereça cinco tâmaras ao pedinte”, querendo
significar, no entanto, muito mais do que se está dizendo. Ademais,
não me passava pela cabeça que qualquer pessoa insistisse em
convidar alguém como eu para ir a um lugar distante, pois seu bairro
ficava bem longe do meu, para depois oferecer-lhe migalhas e sal.
Quando eu já estava em sua casa, e ele
colocara o prato de comida diante de mim, um mendigo parou à porta
da casa e disse:
— Deem-me do que estão comendo e Deus
lhes dará do alimento do paraíso.
Bin Juzám respondeu-lhe:
— Bendito seja você.
O mendigo repetiu o que já dissera, e
Bin Juzám também repetiu a resposta. Então o mendigo fez pela
terceira vez o pedido, e Bin Juzám lhe respondeu:
— Ai de ti! Vá embora, pois já lhe
foi respondido!
O mendigo disse:
— Deus seja louvado! Até hoje eu nunca
tinha visto alguém que negasse um bocado, tendo comida diante de si!
Bin Juzám disse:
— Ai de ti! Vá embora! Caso contrário,
juro que irei até aí e lhe quebrarei as pernas! O mendigo disse:
— Deus, louvado seja, censura quem
maltrata os mendigos e você diz que me quebrará as pernas?
Então eu disse ao mendigo:
— Vá embora e espaireça. Se você
conhecesse a veracidade das palavras dele tal como eu conheço, não
teria esperado nem um piscar de olhos depois do que ele lhe
respondeu!
Mamede Mustafa Jarouche (trad.), in Histórias para ler sem pressa
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