segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Salinha cheia

             – Se abanque, no más – disse o analista de Bagé, indicando o divã.
Eu, ahn, prefiro ficar de pé – disse o moço.
Se abanque, índio velho, que tá incluído no preço.
Não, obrigado…
Deita aí! – disse o analista de Bagé, empurrando o paciente, que caiu de costas no pelego.
O analista de Bagé sentou na sua banqueta e começou a picar fumo para o palheiro. Como o moço não dissesse nada, falou:
E então? Desembucha.
É que eu tenho um probleminha...
Probleminha só pode ser o moleque pequeno.
– “Moleque?”
A peça. O trabuco. O Oduvaldo.
Ah. Não, não é isso.
Então o que é, tchê? Depressa que eu to com a salinha cheia de louco.
Bem, é que eu...
O quê?
Eu desde pequeno tenho este problema de incontinência...
Incontinência?
Eu ainda faço xixi na cama...
Nisso o analista pulou e gritou:
Meu pelego!
E levantou o divã por uma ponta, despejando o paciente no chão.

Outra vez entrou um senhor no consultório, deitou no divã e contou que ultimamente estava se comportando de modo estranho.
Me aposentei, doutor. E um dia, não sei por quê, me deu vontade de pintar o cabelo de caju.
Sei – disse o analista de Bagé, sem tirar a bomba de chimarrão da boca.
Comecei a usar roupas assim. Camisa aberta até aqui embaixo...
To ouvindo.
Medalhão no peito...
Pensei que fosse devoção.
E me deu esta vontade de só andar com rapazes...
Sim.
Me diga, doutor. Eu sou homossexual?
Não existe gaúcho homossexual.
Mas a gente vê tantos por aí...
São as correntes migratórias. Tu não tem nada, índio velho. Precisa é arranjar um passatempo. Colecionar selo. Ou medalhão, pra não perder os que já tem. Vai pra casa e sossega, tchê!
Se eu fosse homossexual, nem sei o que fazia. Acho que me jogava por essa janela!
Aí o analista de Bagé tapou a janela com o corpo e ameaçou:
Te fresqueia. Te fresqueia!

Luís Fernando Veríssimo, in O analista de Bagé

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