terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Presente

          Luísa completava dezesseis anos. A mãe era só mais uma estrela no céu a brilhar. O irmão não morava com eles. Nem mesmo o pai lembrara dos seus anos — fora jogar a carpeta nalgum bolicho próximo. Pouco importava. Colocou o melhor de seus vestidos e, enquanto o sol cumpria seu ritual, a menina foi se afastando de casa. Com os pés descalços, corria em direção ao pequeno bosque de árvores frutíferas que cuidava com carinho e especial dedicação.
Desde que Antônio voltara para vê-la, mantinham aquele ritual secreto de adolescentes. Ela lembrava, ainda de um outro dia, há quase dois meses atrás, quando ele perguntara a ela se podia voltar. O pai e o irmão chamavam-na ao longe, e ela correu para ver o que queriam. Mas, daquela vez, não deixou Antônio sem respostas. Olhou para trás, olhos faiscando, e disse baixinho, quase um sussurro: Volta amanhã.
E ele voltou. Aquela e muitas outras vezes. Certo dia, foram flagrados aos risos. Luísa assustou-se, porém reconheceu os olhos acolhedores da dona Graça, a parteira. Dona Graça reconheceu os dois jovens e acenou. Ajudara os dois a nascerem. Quem sabe ajudaria também seus filhos? A mulher, tesoura de ferro nas mãos, sorriu e continuou sua caminhada.
No dia do seu aniversário, Luísa esperou por Antônio ainda mais bonita. Colocou no cabelo uma flor, brinco de princesa, que em seus tons de violeta realçavam ainda mais a sua beleza agreste. Quando Antônio apeou do bragado, agora já manso e sujeito, teve a certeza de que não poderia mais viver sem ela.
Estás muy linda, Luísa.
É meu aniversário, sabia?
Por que não me disse antes? Não trouxe nenhuma prenda pra te dar.
Não precisa... Nunca ganho nada.
A frase foi dita sem nenhum rancor ou mágoa.
Espera aí! — disse ele, e foi correndo em direção a uma centenária figueira que estendia seus braços próximo dali. Subiu no tronco forte da árvore e foi se empoleirando até alcançar as frutas que já estavam maduras. Pegou quantos figos gota-de-mel conseguiu.
Alcançou para Luísa o maior e mais bonito de todos. Ficou próximo o bastante para ver seu próprio reflexo nos olhos da jovem, que brilhavam cheios de promessas. A menina sorriu seu sorriso cheio de covinhas e deu uma mordida no figo. Ofereceu-lhe uma mordida também. Riam, porque cúmplices de um mesmo sentimento.
De repente, uma leve brisa sacudiu o fino tecido do vestido e fez com que uma mecha de cabelos escondesse o olhar de Luísa. Antônio, como por reflexo, tirou os cabelos da fronte da menina, arrepiando os pelos de seu braço e da sua nuca. Encararam-se e, a partir dali, nada mais importava. Beijaram-se, um beijo doce e nervoso. Gotas de mel.
Ele deslizou o vestido pelos ombros de Luísa, que estava entregue. Revelou-se a ele o corpo amorenado, de seios pequenos e pernas rijas, cobertas por uma fina penugem arrepiada. Estavam prontos para seu destino. Descobriram, juntos, o primeiro amor.
Nem repararam que, perto dali, alguém os observava.

R. Tavares, in Andarilhos

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