domingo, 31 de janeiro de 2021

Hora de visita

Gostei de nascer, doutor,
mas, agora, já chega.

O médico baixou o rosto, incapaz de palavra.
Depois, se acertou e disse:

Amanhã, o senhor volta para sua casa.

O velho doente
superou o cansaço das palavras:

Agora, doutor,
a minha casa é a minha cama.

Que ele se ia afeiçoando
ao tamanho dos que partem.

O médico cortou no drama:

Já é hora da visita.
Já lhes ouço os passos no corredor.

Sorriu: a solidão preferia.

Cada visita
é uma despedida,
os parentes junto ao leito,
contemplam apenas a dor de serem eles,
amanhã, os visitados.

Estão-me velando sem velas.

Depois entraram os parentes,
numerosos,
mas nenhum chegando nunca a estar ali,
nenhuma ponte cruzando os dolorosos abismos.

Então,
uma mão pequena,
asa sem ave,
ascendeu do chão
e sobre o leito pousou.

Seria,
por certo,
a mão de um neto
que buscava o abraço sem braço
e ali se quedou em desajeitada carícia.

Ou talvez fosse
a mão de um anjo.

Só então,
começou a visita.

Mia Couto

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