quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Árvore é sinal de atraso

Havia uma pequena cidade no interior do estado de Goiás. Ficava num vale que terminava numa serra. Ali acontecia o que era comum nas cidades de antigamente: galinhas no quintal, biscoito de polvilho, queijo e café no meio da tarde e banda de música. Aconteceu... um velho músico, compositor... (as partituras de suas composições empilhadas num porão depois de sua morte se perderam, comidas por uma cabra)... já no leito de morte, a família reunida, respiração difícil, todo mundo na expectativa... Aí passou a banda de música na frente da casa. Ele estremeceu, indicou que queria falar algo, todos se aproximaram atentos para ouvir suas últimas palavras. “A clarineta desafinou no si bemol.. .” . E morreu. A cidade ficava no meio de uma floresta. Todos os quintais tinham mangueiras, jabuticabeiras, laranjeiras e árvores nativas, seculares... As árvores eram tantas que o viajante, no alto da serra, quase não percebia a cidade. Foi então que um prefeito moderno e dinâmico fez uma campanha entre os moradores para que cortassem as árvores dos seus quintais para que a cidade fosse vista. É bem sabido que árvore é sinal de atraso.

Rubem Alves, in Do universo a jabuticaba

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