Na sala da 5ªC tinha uma menina com
aquele estojo imenso, desdobrável, e uma mochila de carrinho
fantástica. Tinha uma outra, linda, de quem todos os meninos
gostavam e que andava balançando os cabelos, como quem dizia “Eu
sei, eu sei”. Eu não era nenhuma delas. Mas, ah, como eu queria
ser…
Na 6ªA tinha uma que já falava inglês
fluentemente. Tinha morado em Liverpool dos 7 aos 11 anos e fazia as
lições de inglês como se fossem brincadeiras. Havia outra menina
que sabia de cor aquela música do Timão e do Pumba, na qual eles
falam coisas muito rápido. Eu não sabia fazer nem uma coisa nem
outra. Tentava aprender com um certo custo.
Na sala de aula da 7ªA tinha uma menina
muito bonita, magrinha, de olhos claros, que se sentava à esquerda,
na frente, e anotava tudo muito rápido. Tinha uma bonitona que se
sentava bem no meio, com cabelos longos, cachos nas pontas, e já
tinha peitos imensos na altura do queixo. Eu não era nenhuma delas.
Mas bem que eu queria ser.
Na 8ªD tinha uma menina que jogava
futebol melhor do que todos os meninos. Ela jogava tudo bem:
handebol, vôlei, basquete, conversa fora. Ela nunca precisou pedir a
bola. Tinha uma outra menina que não errava um único cálculo de
matemática. Ela sabia todos os números e o único que ela sempre
via no alto das provas era o 10. Eu não era nenhuma delas. Mas
gostaria muito de ser.
Na sala do 1ºB tinha uma menina que não
sentia vergonha nenhuma de usar biquíni nos passeios da escola. Ela
corria, pulava e dançava como quem dizia que era dona de si. Tinha
outra com uma letra impecável, redondinha, desenhada. Ela
intercalava a caneta azul com uma verde-água, em folhas do ursinho
Pooh. Eu não era nenhuma delas. Mas, sim, queria, queria muito ser.
Na sala do 2ºD tinha uma menina que
namorava um cara de olhos claros que aparecia de óculos escuros para
buscá-la num carro prateado, tocando Eminem. Tinha outra que andava
de skate, dobrava o elástico da calça do uniforme na cintura e
amarrava a blusa para aparecer a barriga. Eu não era nenhuma delas.
Mas eu acharia mais legal se eu fosse.
Na sala do 3ºF tinha uma menina que
dizia, segura, que ia fazer faculdade e depois pegaria suas malas e
sumiria viajando pelo mundo. Tinha uma outra que paquerava quem
quisesse. Ela não tinha medo de não. Nem de sim. Eu não era
nenhuma delas. Mas eu jurava para mim que um dia seria.
Na sala do cursinho havia uma menina que
não tinha dúvidas de que seria aprovada na faculdade que queria. Na
sala da faculdade tinha uma que tomava tequila com dogão e não
passava mal nunca. Na sala do mestrado tinha uma que sempre combinava
a bolsa com os óculos. Eu não era nenhuma delas. Mas planejava um
dia ser.
Na 5ªC, na 6ªA, na 7ªA, na 8ªD, no
1ºB, no 2º D, no 3ºF, no cursinho, na faculdade e no mestrado
tinha uma menina com um inglês mais ou menos, sem olhos claros, sem
peitos fantásticos, sem nenhuma facilidade com a bola nem com os
cálculos, sem qualquer segurança quando colocava biquíni, sem
letra redondinha, sem namorado que ouvia Eminem, sem vocação para o
skate ou para a blusa amarrada, sem coragem para sumir no mundo, sem
cara para paquerar livremente, sem certeza do seu sucesso, sem
estômago de aço, sem bolsas e óculos combinando.
Uma menina com uma letra que às vezes
saía melhor, às vezes pior. Que nunca entendeu bem como se aplica a
distributiva, mas que fazia suas redações com vontade. Que não
tinha barriga boa pra biquíni nem pra blusa amarrada, mas que quando
comprava bala na cantina comprava a mais pra dar pros amigos. Que não
sabia muito bem se seu futuro seria um sucesso, mas fazia suas
provas, entregava seus trabalhos e agradecia aos professores no fim
da aula.
Havia uma menina que levou 28 anos para
começar a entender que não precisava ser outra pessoa para ser
legal. Que ela nunca reuniria todas aquelas características
fantásticas em si mesma numa única vida. E que tudo bem ser só
aquilo que ela era. Sem olho claro, sem gol de bicicleta.
Havia uma menina que, como quase todas,
nunca foi treinada para se achar incrível. Foi treinada pela vida
para achar-se devedora de si mesma. Para olhar para tudo o que ela
não era ao invés de olhar para tudo o que era. Não demorem tanto
tempo, meninas. Aprendam a se adorarem quanto antes. Não se
martirizem diariamente. Vocês merecem saber que são fantásticas e
precisam caminhar, vida afora, com essa certeza.
Ruth Manus, in Um dia dia ainda vamos rir de tudo isso
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