Das memórias mais gratas com meus filhos crianças estão os momentos em que, após o jantar, íamos para a sala de estar para ouvir música clássica. Meu filho se deitava no meu colo e o pedido era sempre o mesmo: “Papai, põe a música do violão...”. Não era violão. Era um violino que ilustrava a capa da Pequena serenata, de Mozart. Acho que a música clássica, além do puro prazer da música, ensina várias outras coisas: o silêncio, a tranquilidade, a atenção. Nietzsche, no seu livro O nascimento da tragédia grega no espírito da música, observa que a música tem poderes mágicos: ela possui o nosso corpo, o corpo vibra ao seu ritmo e progressivamente vamos nos tornando parecidos com ela. Não gosto do nome “música erudita”. Como se fosse música que somente professores universitários e esnobes chatos são capazes de sentir. Tomei birra de uma determinada marca de cerveja porque, num dos seus falecidos comerciais, a mensagem se baseava no contraste: quem gosta de música clássica é chato, velho e não bebe aquela cerveja. Mas quem gosta de música em volume alto e que faz agito enquanto todo mundo fala é jovem, legal e bebe a tal da cerveja. Quando não há outra alternativa eu aceito beber essa cerveja mesmo... Cada música tem o seu ritual. Há músicas que pedem dança. Há músicas que provocam agito e participação, como nos grandes shows. Há músicas que pedem silêncio e tranquilidade.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba
Nenhum comentário:
Postar um comentário