A proposta da dona Amanda era tão
absurda quanto irrecusável. Em troca da propriedade dos campos onde
Lauro construíra seu rancho e vivia com sua família, a filha do seu
querido padrinho pediu para que entregassem a pequena Isa, sempre tão
adoentada, para que ela a cuidasse.
— Lauro, eu peço que penses muito bem
na proposta. Vocês têm outras crianças. Além disso, a pequena
está doente e vocês não tem condições de criá-la. Deixem-na
comigo, e ela terá somente do bom e do melhor. E vocês finalmente
vão ser donos daquele posto onde meu pai deixava que vocês morassem
— deixou que a ameaça velada fizesse seu efeito.
Algum tempo depois, Lauro e dona Amanda
entraram na cozinha, onde estavam Ana e Pitanga.
— Ana, arruma a Isa e traz a menina
aqui. — pediu ele.
A esposa fez a vontade do marido e trouxe
a criança, de uma limpidez mórbida e olhos escondidos em olheiras
cinzentas e profundas. Ele disse à esposa então:
— Mulher, peço que me perdoe pelo que
eu fiz. Mas nossa filha está doente e, se não fizermos algo, ela
acabará morrendo. Como chefe desta família, não posso permitir que
isso aconteça.
Ana, com lágrimas riscando suas faces,
ficou em silêncio à espera da explicação do esposo, e ele disse:
— A partir de agora, a dona Amanda e o
marido vão cuidar da Isa. A menina vai ter tudo que precisa:
médicos, remédios e tudo o mais. E a vó dela vai estar sempre por
perto.
Sem acreditar no que ouvia, a mãe
explodiu em um choro convulsivo e, com as mãos tremendo, segurava
firme sua pequena filha contra o peito. Fora de si, gritava:
— Ninguém tira ela de mim, ninguém!
Já era tarde demais. A velha Pitanga
aproximou-se da nora e retirou-lhe a criança dos braços.
Pragmática, recolheu as poucas coisas da menina que estavam pela
casa. Com a voz seca e sem rodeios, disse:
— Foi Deus quem quis assim, minha
filha. Vocês não têm condições de tratar desta menina. Não
deixe que o egoísmo acabe com a vida da minha neta. Volte pra casa,
cuide dos teus outros filhos e apoie teu marido, que mulher não deve
discutir — disse isso e levou a pequena para sua nova família.
E foi mais ou menos assim que o Posto
virou Chácara das Lebres. Porém, quando finalmente a prosperidade
pediu pouso no rancho da família, veio com ela a tristeza e, sem
pedir licença, foi como que se adonando do pouco que os Contreras
tinham.
A vida deles nunca mais foi a mesma. Para
desviar do assunto que parecia sempre rondá-lo, Lauro concentrou
todas suas forças em trabalhar ainda com mais afinco do que antes.
Continuava com um pouco de gado do Silêncio engordando em sua
chácara, sobre o qual recebia um valor por cabeça. Comprou animais,
plantou. Saía de seu rancho todos os dias antes do amanhecer e
retornava apenas à noite.
A partir daí, os Contreras deixaram de
ser uma família. Eram apenas um bando que dividia o mesmo rancho, a
mesma lida e a mesma vida miserável que Deus lhes dera. Pouco tempo
depois, foram embora também Miguelina, que decidiu ganhar a estrada
no lombo do cavalo de um gaúcho qualquer; Álvaro, que foi trabalhar
de peão em uma estância lindeira, e Mariana, que se juntou com um
capataz e foi morar com ele. Ficaram no rancho apenas Lauro, a
esposa, João e Laurinho.
Sentado nas sombras do ipê-amarelo,
Lauro ruminava suas escolhas e não conseguia afastar o amargor que
lhe subia à boca. Quando havia aceitado a oferta de dona Amanda,
tinha certeza de que estava certo. No entanto, naquele momento, já
nem sabia mais.
R. Tavares, in Andarilhos
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