terça-feira, 27 de outubro de 2020

Um par de bêbados

      Eu estava na casa dos vinte anos e, embora estivesse bebendo muito e sem comer, ainda era forte. Quero dizer, fisicamente, e isso é uma sorte quando todo o resto não está indo bem. Minha mente estava amotinada contra o meu destino e a minha vida, e a única maneira de acalmá-la era beber e beber e beber. Estava caminhando pela estrada, empoeirada e suja e quente, e creio que era o estado da Califórnia, mas não tenho mais certeza. Era uma região desértica. Estava caminhando ao longo da estrada, minhas meias duras e apodrecidas e fedorentas, os pregos estavam atravessando a sola dos meus sapatos e para dentro dos meus pés e eu colocava papelão nos sapatos: papelão, jornal, qualquer coisa que encontrasse. Os pregos passavam mesmo assim e, ou você arranjava mais papel, ou virava a coisa do outro lado, ou de cabeça para baixo, ou mudava o seu formato.
Um caminhão parou ao meu lado. Ignorei-o e continuei caminhando. O caminhão arrancou e novamente o sujeito dirigia ao meu lado.
Garoto – o sujeito disse –, você quer um emprego?
Quem tenho que matar? – perguntei.
Ninguém – disse o sujeito –, venha, entre.
Dei a volta até o outro lado e quando cheguei lá a porta estava aberta. Pisei no estribo, entrei, fechei a porta e me recostei no assento de couro. Estava fora do sol.
Quer me chupar? – o sujeito disse. – Ganha cinco pratas.
Dei-lhe um golpe com a direita no estômago, a esquerda em algum lugar entre a orelha e o pescoço, soltei mais uma de direita em direção à boca, e o caminhão saiu da estrada. Agarrei o volante e o coloquei de volta na pista. Então desliguei o motor e freei. Desci e continuei a caminhar pela estrada. Aproximadamente cinco minutos depois o caminhão estava novamente ao meu lado.
Garoto – disse o sujeito –, me desculpe. Não quis dizer isso. Não quis dizer que você é veado. Quero dizer, embora você meio que pareça um. Há algo errado em ser gay?
Acho que se você é um, não há problema.
Venha – disse o sujeito –, entre. Tenho um emprego realmente honesto para você. Pode conseguir algum dinheiro, mudar de vida.
Subi novamente. Partimos.
Me desculpe – ele disse –, você tem cara de durão, mas olhe as suas mãos. Mãos de moça.
Não se preocupe com as minhas mãos – eu disse.
Bem, é um trabalho duro. Carregando vigas. Já carregou vigas?
Não.
É um trabalho duro.
Já peguei vários desses na vida.
Ok – disse o sujeito.
Ok.
Seguimos dirigindo sem conversar, o caminhão balançava pra lá e pra cá. Não havia nada além de poeira, poeira e deserto. O sujeito não tinha muita cabeça, não tinha muito de nada. Mas às vezes pessoas insignificantes que permaneciam no mesmo lugar por um longo tempo conseguiam um pequeno prestígio e poder. Ele tinha o caminhão e estava contratando. Às vezes é preciso aguentar essas coisas.
Seguimos andando e havia um velho caminhando pela estrada. Devia estar já nos quarenta anos. Já era velho demais para andar na estrada. Esse sr. Burkhart, ele me disse seu nome, diminuiu a velocidade do caminhão e perguntou ao velho.
Ei, amigo, quer ganhar alguns trocados?
Oh, sim, senhor! – disse o velho.
Mexa-se. Deixe-o entrar – disse o sr. Burkhart.
O velho entrou e ele realmente fedia: de bebida e suor e agonia e morte. Seguimos até que chegamos a um pequeno grupo de prédios. Saímos com Burkhart e caminhamos até uma loja. Havia um sujeito usando uma viseira verde com um monte de borrachas ao redor do pulso esquerdo. Era careca, mas seus braços estavam cobertos com pelos loiros, longos e finos.
Olá, sr. Burkhart – ele disse –, vejo que o senhor encontrou mais um par de bêbados.
Aqui está a lista, Jesse – disse o sr. Burkhart, e Jesse caminhou pela loja pegando os produtos. Demorou algum tempo. Então ele juntou o pedido.
Mais alguma coisa, sr. Burkhart? Duas garrafas de vinho barato?
Nada de vinho para mim – eu disse.
Ok – disse o velho –, ficarei com as duas.
Sairá do seu pagamento – Burkhart disse ao velho.
Não importa – respondeu –, desconte do salário.
Tem certeza que não quer uma garrafa? – Burkhart me perguntou.
Tudo bem – eu disse –, levarei uma.
Tínhamos uma barraca e naquela noite bebemos o vinho e o velho me contou seus problemas. Tinha perdido a esposa. Ainda a amava. Pensava nela o tempo todo. Uma grande mulher. Ele ensinava matemática. Mas perdeu sua esposa. Nunca uma mulher como ela. Blá, blá, blá.
Cristo, quando acordamos o velho estava doente e eu não me sentia muito melhor. O sol estava alto e fomos fazer o nosso trabalho: empilhar dormentes de medida que aumentava, tínhamos que contar. “Um, dois, três” e os atirávamos.
O velho tinha uma bandana amarrada na cabeça, e o resultado da bebedeira destilava de sua cabeça para a bandana, que se encharcava e escurecia. De vez em quando, uma lasca de um dos dormentes cortava a luva apodrecida e perfurava minha mão. Normalmente a dor seria insuportável e eu teria desistido, mas o cansaço anestesiava os sentidos, realmente os anestesiava. Eu ficava apenas brabo quando acontecia: como se quisesse matar alguém, mas, quando olhava ao redor, havia apenas areia e penhascos e o sol forte, amarelo, brilhante, seco e nenhum lugar para ir.
De vez em quando, a empresa ferroviária trocava os dormentes. Deixavam os velhos do lado dos trilhos. Não havia nada de muito errado com os velhos, mas a ferrovia os deixava por ali e Burkhart tinha sujeitos como nós para empilhá-los em montes que ele levava no caminhão e vendia. Imagino que tenham muita utilidade. Em alguns ranchos se podia vê-los fincados no chão, servindo como mourões para as cercas de arame farpado. Suponho que havia outros usos também. Não estava muito interessado.
Era como qualquer outro trabalho impossível, você se cansava e queria pedir demissão e então ficava mais cansado e esquecia de se demitir e os minutos não avançavam, vivia-se para sempre dentro de um minuto, sem esperança, sem saída, preso, muito entorpecido para se demitir e sem nenhum lugar para ir caso se demitisse.
Garoto, perdi minha esposa. Ela era a mulher mais maravilhosa do mundo. Fico pensando nela. Uma boa mulher é a melhor coisa do planeta.
É.
Se ao menos tivéssemos um pouco de vinho.
Não temos nada de vinho. Temos que esperar até a noite.
Será que alguém entende os bêbados?
Só os outros bêbados.
Você acha que essas lascas nas nossas mãos irão para o coração?
Sem chance. Nunca teremos essa sorte.
Dois índios vieram e nos observaram. Ficaram nos observando por um longo tempo. Quando o velho e eu nos sentamos em um dormente para fumar um cigarro, um dos índios veio até nós.
Vocês estão fazendo tudo errado – ele disse.
Como assim? – perguntei.
Estão trabalhando no horário mais quente do deserto. O que devem fazer é acordar cedo pela manhã e trabalhar enquanto ainda está fresco.
Você está certo – eu disse. – Obrigado.
O índio estava certo. Decidi que levantaríamos cedo. Mas nunca conseguíamos. O velho estava sempre enjoado da bebedeira da noite, e eu não conseguia fazê-lo levantar a tempo.
Mais cinco minutos – ele dizia. – Mais cinco minutos.
Finalmente, um dia, o velho desistiu. Não podia levantar outro dormente. Ficava se desculpando por isso.
Está tudo bem, velho.
Voltamos para a barraca e esperamos pela noite. O velho falava deitado. Ficava falando de sua ex-esposa. Ouvi-o falar de sua ex-esposa por todo o dia e noite adentro. Então Burkhart chegou.
Jesus Cristo, vocês não fizeram muito hoje. Estão pensando em viver do que a terra dá?
Acabou, Burkhart – eu disse –, estamos esperando pelo dinheiro.
Acho que o melhor é não pagá-los.
Se você sabe o que é o melhor – eu disse –, então vai pagar.
Por favor, sr. Burkhart – disse o velho –, por favor, por favor, trabalhamos muito duro, trabalhamos honestamente.
Burkhart sabe o que fizemos – eu disse. – Ele fez a contagem das pilhas e eu também.
Setenta e duas pilhas – disse Burkhart.
Noventa pilhas – eu disse.
Setenta e seis pilhas – disse Burkhart.
Noventa pilhas – eu disse.
Oitenta pilhas – disse Burkhart.
Vendido – eu disse.
Burkhart tirou seu lápis e papel e nos cobrou pelo vinho, pela comida, pelo transporte e pelo alojamento. O velho e eu ganhamos, cada um, dezoito pratas por cinco dias de trabalho. Pegamos a grana. E ganhamos uma carona de graça para a cidade. De graça? Burkhart fodera com a gente direitinho. Mas não podíamos chamar a lei, porque, quando você não tem dinheiro, a lei deixa de funcionar.
Por Deus – disse o velho –, vou ficar realmente bêbado. Vou ficar bem e bêbado. Você não, garoto?
Acho que não.
Entramos no único bar na cidade e nos sentamos. O velho pediu um vinho, e eu, uma cerveja. Ele começou a ladainha de sua ex-esposa novamente e eu fui para a outra ponta do bar. Uma garota mexicana desceu pelas escadas e sentou-se ao meu lado. Por que sempre desciam pelas escadas desse jeito, como nos filmes? Eu mesmo me senti como se estivesse em um filme. Paguei-lhe uma cerveja.
Ela disse:
Meu nome é Sherri.
E eu disse:
Esse nome não é mexicano.
Não precisa ser.
Está certo.
No andar de cima, tudo me custou cinco dólares, e ela me lavou antes e depois. Lavou-me em uma bacia pequena e branca na qual se via pintinhos pintados perseguindo uns aos outros ao redor da bacia. Ela, em dez minutos, ganhou o mesmo que eu tinha ganhado em um dia e mais algumas horas. Em termos monetários, parecia mais do que certo que era melhor ter uma buceta do que um caralho.
Quando desci a escada, o velho já estava com a cabeça caída no bar. Já estava bêbado. Não tínhamos comido o dia inteiro e ele não tinha nenhuma resistência. Havia um dólar e algumas moedas perto de sua cabeça. Por um momento pensei em levá-lo comigo, mas eu não conseguia nem mesmo tomar conta de mim. Saí. Estava fresco lá fora e eu caminhei para o norte.
Senti-me mal por deixar o velho lá para os pequenos abutres da cidade. Então imaginei se a esposa do velho pensava nele de vez em quando. Decidi que não ou que, se pensava, provavelmente não era da mesma maneira que ele pensava nela. Por toda a terra rastejavam pessoas tristes e machucadas, como ele. Precisava de um lugar para dormir. A cama em que estive com a garota mexicana fora a primeira cama que vi nas últimas três semanas.
Algumas noites atrás, eu tinha descoberto que, quando esfria, as farpas em minhas mãos latejam. Podia sentir onde cada uma estava. Começou a esfriar. Não posso dizer que odeie o mundo dos homens e das mulheres, mas eu sentia um certo nojo que me separava dos artesãos e dos comerciantes, dos mentirosos e dos amantes, e agora, décadas mais tarde, sinto esse mesmo nojo. É claro, essa é apenas a história de um homem ou a visão de um homem da realidade. Se você continuar lendo, talvez a próxima história seja mais alegre. Espero que sim.

Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum

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