segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O poeta e o vendedor de melancias

         Disseram ao poeta Almutanabbi:
As notícias sobre a sua avareza se espalharam por todo canto, tornando-se motivo de conversas noturnas entre muitos camaradas. Em suas poesias, porém, você louva a generosidade e seus praticantes, e censura a prática da avareza. Não foi você que disse em um de seus versos: “Há quem gaste seu tempo reunindo dinheiro, por medo à pobreza: essa atitude é que é pobre”? Todos sabem que a avareza é horrível, mas vinda de você é ainda pior, pois você afeta orgulho e graves desígnios, e busca ser rei. E a avareza é a negação disso tudo.
Almutanabbi respondeu:
Minha avareza tem um motivo. Quando jovem, mudei-me de Kufa para Bagdá e aqui cheguei com cinco moedas de prata enroladas em um lenço. Pus-me a caminhar pelas ruas da cidade e passei por uma frutaria na qual vi cinco melancias fresquinhas. Gostei muito delas e, querendo comprá-las com minhas moedas, dirigi-me ao fruteiro perguntando: “Por quanto você está vendendo estas cinco melancias?”. Ele respondeu com indiferença: “Vá embora, isto não é para você comer”. Avancei para ele e insisti: “Fulano, deixe de me irritar e diga o preço!”. Ele respondeu: “Dez moedas de prata”. Fiquei tão chocado que não consegui pechinchar. Parei perplexo e lhe ofereci as cinco moedas, mas ele não aceitou. Então, passou um velho mercador que fechara a loja e agora ia para casa. O fruteiro correu até o homem, rogou a Deus por ele e disse: “Meu amo, tenho aqui melancias frescas. O senhor me autoriza a carregá-las para a sua casa?”. O velho respondeu: “Ai de ti! Quanto custam?”. Respondeu: “Cinco moedas de prata”. O homem retrucou: “Pago duas moedas”, e por duas moedas de prata o fruteiro vendeu as cinco melancias ao mercador, carregou-as até a sua casa, rogou a Deus por ele e, tendo feito aquilo, retornou feliz para a frutaria. Perguntei-lhe: “Fulano, nunca vi nada mais espantoso do que a sua estupidez. Você exigiu de mim um valor bem alto pelas melancias, mas depois fez o que fez! Eu havia lhe oferecido cinco moedas pelas melancias, e você as vendeu por duas, e as carregou até a casa do homem!”. Ele respondeu: “Cale-se! Esse homem possui cem mil moedas de ouro!”. Aprendi então que os homens não dignificam senão quem eles suponham ter cem mil moedas de ouro. E eu permanecerei da maneira que você está vendo até ouvir as pessoas dizerem que Almutanabbi possui cem mil moedas de ouro.

Mamede Mustafa Jarouche (tradutor), in Histórias para Ler Sem Pressa 

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