Imagine chegar no Céu e só encontrar
louva-a-deus. Pisar em louva-a-deus, respirar louva-a-deus, tentar
enxergar o Velho e só ver uma nuvem de louva-a-deus. Solícitos,
ocupados, donos das melhores posições, brigando em torno do
Todo-Poderoso pela oportunidade de lhe ajeitar um fio de cabelo. Suas
preces foram atendidas! A auréola do Senhor é uma coroa de
sicofantas.
Como é o plural de louva-a-deus? Ninguém
jamais viu mais de um louva-a-deus na terra de cada vez. O homem
comum vê um louva-a-deus de sete em sete anos, em média. Sempre de
mãos postas, os olhos virados para o Céu, e um absoluto desprezo
pela proximidade do seu pé. O louva-a-deus desafia que alguém o
esmague e arrisque a danação eterna.
Na África, até os reis, que arredam
montanhas para passar em linha reta, desviam-se do seu caminho para
não pisar num louva-a-deus. O imperador Selassié certa vez pisou
num louva-a-deus no quintal e no mesmo instante todo um lado do
Himalaia desmoronou, soterrando dezessete civilizações antigas. A
Sra. Pavita Pinchas, da Colômbia, aprisionou um louva-a-deus gigante
e há vinte e oito anos o mantém sob uma redoma de vidro, alimentado
com um picado de moscas e orquídeas. O desgosto infligido a este
louva-a-deus tem sido o responsável por todas as catástrofes do
continente desde o grande terremoto do Chile, em 1946. Os índios
macapauas do Peru resolveram um dia que pó de louva-a-deus era
afrodisíaco, mataram e esfarelaram um monte, e alguém tem visto
algum macapaua ultimamente?
O louva-a-deus é o inseto mais antigo
que existe. Não tem corpo, é uma haste verde com uma cabeça na
ponta. Examinado sob um microscópio por um estudante aventuroso —
que minutos depois bebeu um copo de ácido, por engano, em vez de
água — o louva-a-deus revelou algumas particularidades
interessantes. É o único bicho que tem mãos, minúsculos dedinhos
entrelaçados com um fio de ínfimas contas — um rosário de átomos
— e entrelaçados entre si. Seus olhos são suplicantes, rodeados
por olheiras de um tom verde-púrpura, como as de velhas beatas. Um
único nervo capilar atravessa a haste do louva-a-deus, da cabeça ao
rabo, e, ao ser acossada pelo macho na hora do acoplamento, a fêmea
sofre um espasmo nervoso e decepa a cabeça do seu par com as
mandíbulas, sem interromper a sua prece. Só com a morte do macho há
a impregnação. O parto de um louva-a-deus é agoniante, dura doze
dias, durante os quais a louva-a-deus mãe, de olhos baixos, emite um
silvo ininterrupto de dor que os instrumentos da NASA registraram na
Lua e certamente passa ao ouvido de Deus, que os perdoa. O
louva-a-deus é como Deus pretendia a espécie, uma haste de louvor à
sua Glória. Uma planta com senso bastante para sentir dor e devoção
e nada mais. O louva-a-deus é o universo descarnado, seco, duro e
frio e reverente com que sonhava o Espírito, até que algum demônio
inventou o sangue e tudo desandou. O louva-a-deus só não desistiu e
ascendeu ao Céu para sempre, e ainda atura na Terra as ignomínias
da reprodução e de uma dieta de capim e vespas, porque a sua função
é a de representar, entre os homens, com a sua postura e o seu
exemplo, a reprovação de Deus.
O louva-a-deus roga por nós.
Luís Fernando Veríssimo, in A grande mulher nua
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