(…) A verdade é que não há povo antigo mais vivo, mais relevante atualmente, que os gregos. Todos somos um pouco gregos, quer saibamos ou não. Se você já votou, serviu em um júri, assistiu a um filme, leu um livro ou ficou sentado com um grupo de amigos bebendo vinho e conversando sobre qualquer coisa, desde o futebol da noite passada até a natureza da verdade, agradeça aos gregos. Se você já teve um pensamento racional, ou se perguntou por quê? , ou olhou para o céu à noite em admiração silenciosa, você teve um momento grego. Se você já falou inglês, pode agradecer aos gregos. Tantas de nossas palavras vieram de seu rico idioma que um primeiro-ministro grego, uma vez, fez um discurso inteiro em inglês usando apenas palavras derivadas do grego. Sim, os gregos nos deram a democracia, a ciência e a filosofia, mas também podemos agradecê-los (ou amaldiçoá-los) por contratos escritos, moedas de prata e de bronze, impostos, escrita, escolas, empréstimos comerciais, manuais técnicos, grandes barcos a vela, investimentos de risco compartilhado e absenteísmo. Quase todas as partes de nossas vidas são inspiradas pelos gregos, incluindo o próprio conceito de inspiração. “Nós pensamos e sentimos de maneira diferente por causa dos gregos”, concluiu a historiadora Edith Hamilton. (…)
Desta nova perspectiva terrestre, aprendo muita coisa sobre os antigos gregos. Descubro que eles amavam dançar e me pergunto exatamente o que acontecia durante números como “Roubando a Carne” e “A Coceira”. Descubro que, antes de se exercitarem, homens jovens passavam azeite de oliva no corpo, e que “o cheiro másculo de azeite de oliva no gymnasium era considerado mais doce que perfume”. Eu aprendo que os gregos não usavam roupas de baixo, que a monocelha era considerada um sinal de beleza, que eles curtiam grilos tanto como bichos de estimação quanto como petiscos. Aprendo muito, mas fora esses pecadilhos, aprendo o que os gregos produziram, não como produziram, e é o como que estou decidido a descobrir.
Mas primeiro, preciso de uma coisa que os antigos gregos não tinham: café. O néctar dos deuses não deve ser bebido em qualquer lugar, contudo. A localização é importante.
Para mim, cafés são uma espécie de segunda casa, um excelente exemplo do que o sociólogo Ray Oldenburg chama de “um ótimo lugar”. A comida e a bebida são irrelevantes, ou quase. O que importa é o ambiente — não as toalhas de mesa ou os móveis, mas um ambiente mais intangível, um que estimule a permanência livre de culpa e alcance o equilíbrio certo entre ruídos de fundo e silêncio contemplativo.
Não sei sobre os gregos antigos, mas os do século XX I não são exatamente madrugadores. Às oito da manhã, tenho as ruas só para mim, salvo um ou outro lojista esfregando os olhos de sono e um punhado de policiais, todos paramentados como RoboCop contra tumultos — um lembrete de que, assim como sua versão da antiguidade, a Atenas moderna é uma cidade inquieta.
Sigo as instruções de Tony, que ele transmitiu balançando os braços descontroladamente, e viro em uma agradável rua de pedestres, cheia de cafés e lojinhas, resumindo perfeitamente o senso de comunidade que caracterizou a antiga Atenas. É aqui que eu encontro meu ótimo lugar. Chama-se Bridge. Um nome apropriado, decido eu, já que estou me aventurando na tarefa quixotesca de fazer a ponte entre os séculos.
O Bridge não é nada sofisticado, apenas algumas mesas externas de frente para a rua Draco, posicionadas como se os clientes fossem a plateia e a rua fosse o palco. Em cafés como esse, os gregos desfrutam de seu passatempo nacional: ficar sentados. Os gregos se sentam em grupos e sozinhos. Eles se sentam ao sol do verão e no frio do inverno. Eles não precisam de cadeira para se sentarem. Uma calçada vazia ou caixa de papelão jogada servem perfeitamente. Ninguém se senta tanto quanto os gregos.
Eu solto um kalimera, bom dia, e me junto aos outros sentadores do Bridge. Peço um expresso e aqueço as mãos na xícara. Um frio matinal persiste no ar, mas já dá para saber que o dia promete ser mais um belo dia grego. “Nós podemos estar falidos, mas ainda temos um clima ótimo”, declarara Tony, triunfante, quando eu saí. Ele tem razão. Não só a luz sublime, mas trezentos dias de céus sem nuvens e pouca umidade. Será que o clima podia explicar a genialidade ateniense?
Infelizmente, não. O clima pode ter aguçado a mente grega antiga, mas não a justifica. Para começar, a Grécia tem essencialmente o mesmo clima hoje do que em 450 a.C., e no entanto não é mais um lugar de genialidade. Além do mais, várias épocas de ouro prosperaram em climas menos agradáveis. Os bardos da Londres elisabetana, por exemplo, executavam sua mágica sob o triste céu inglês.
Peço um segundo expresso e, enquanto meu cérebro se reinicializa, percebo que estou me adiantando. Aqui estou eu, atrás da genialidade, mas será que realmente sei o que ela significa? Como eu disse, um gênio é alguém que dá um salto intelectual ou artístico, mas quem é que decide o que se qualifica como um salto?
Nós decidimos. Francis Galton pode ter errado muita coisa, mas sua definição de gênio, embora tipicamente sexista, aponta para uma coisa importante: “Gênio é um homem a quem o mundo deliberadamente reconhece dever muito”. A admissão no clube dos gênios não cabe ao gênio, mas sim a seus colegas e à sociedade. É um veredicto público, não uma afirmação particular. Uma teoria da genialidade — vamos chamá-la de Teoria Fashionista da Genialidade — afirma isso de maneira inequívoca. A admissão no clube dos gênios depende inteiramente dos caprichos, da moda, da época. “A criatividade não pode ser separada de seu reconhecimento”, diz o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, o principal defensor dessa teoria. Em termos mais claros, alguém só é um gênio se nós dissermos que é.
A princípio, isso pode parecer contraditório, até mesmo uma blasfêmia. Certamente deve existir algum aspecto inviolável da genialidade, separado da opinião pública.
Não, dizem os proponentes dessa teoria, não existe. Veja Bach, por exemplo. Ele não foi particularmente respeitado durante sua vida. Somente cerca de 75 anos após sua morte é que ele foi declarado um “gênio”. Antes disso, supomos, ele habitava aquele purgatório do “gênio desconhecido”. Mas o que isso significa? “O que — além da presunção inconsciente — corrobora esta crença?”, pergunta Csikszentmihalyi. Dizer que fomos nós que descobrimos a genialidade de Bach é o equivalente a dizer que aqueles que vieram antes de nós eram idiotas. E se, em alguma data futura, Bach for demovido, banido do panteão dos gênios? O que isso dirá sobre nós?
Há vários outros exemplos. Quando o balé de Stravinsky A Sagração da Primavera estreou em Paris, em 1913, a plateia quase se revoltou; os críticos o chamaram de “pervertido”. Hoje, é considerado um clássico. Quando saíram os últimos trabalhos de Monet, as Ninfeias, os críticos de arte os reconheceram pelo que eram: o resultado da visão do artista se deteriorando. Somente mais tarde, quando o expressionismo abstrato estava na última moda, é que eles foram declarados obras geniais.
Vasos gregos são outro bom exemplo da Teoria Fashionista da Genialidade. Hoje é possível vê-los expostos em muitos museus ao redor do mundo. Eles ficam atrás de vidros blindados, com guardas armados por perto e turistas admirando essas obras de arte. Mas não era assim que os gregos os viam. Para eles, os vasos tinham uma finalidade estritamente utilitária. Eram objetos cotidianos. Só a partir dos anos 1970, quando o Metropolitan Museum de Nova York pagou mais de 1 milhão de dólares por um único vaso, é que a cerâmica grega foi elevada a grande arte. Então, quando foi exatamente que esses vasos de barro se tornaram obras geniais? Nós gostamos de pensar que eles sempre foram, e que somente mais tarde é que “descobrimos” sua genialidade. É uma maneira de encarar. Os proponentes da Teoria Fashionista da Genialidade argumentariam que eles se tornaram obras geniais nos anos 1970, quando o Metropolitan Museum, falando a língua do dinheiro, afirmou isso.
A relatividade da genialidade está fervilhando em meu cérebro quando peço mais um expresso e planejo meu ataque ao Grande Mistério Grego. O que fez esse lugar brilhar? Já eliminei o clima. Talvez fosse algo igualmente óbvio: o terreno rochoso, ou roupas bem ventiladas, ou o vinho onipresente?
Atenas está finalmente começando a se agitar, e o Bridge proporciona um local de observação privilegiado. Eu me recosto e avalio o mar de rostos. Será que esses são realmente os descendentes de Platão e Sócrates? Muitos acadêmicos se fizeram essa mesma pergunta. Vários anos atrás, um antropólogo austríaco postulou que os gregos modernos não eram herdeiros de Platão, mas descendentes de eslavos e albaneses que migraram para cá séculos depois. Sua teoria causou um pequeno rebuliço na Grécia. As pessoas rejeitaram a sugestão de serem outra coisa senão filhos de Platão. “Não tenho dúvidas de que somos descendentes diretos dos antigos”, afirmou um político. “Temos exatamente os mesmos vícios.”
E que vícios eles tinham! Os antigos gregos não tinham nada de comportados. Eles realizavam festivais extravagantes de uma semana de duração, bebiam quantidades heroicas de vinho e nunca encontraram um ato sexual de que não gostassem. Apesar desse comportamento, ou talvez por causa dele, a Grécia Antiga se sobressaiu como nenhuma outra civilização. Isso está claro. O resto é tão turvo quanto um copo de uzo — um licor incolor, de origem grega, feito de essência de anis verde, aguardente vínica e açúcar. Na verdade, minha investigação da Grécia Antiga encontra seu primeiro contratempo quando descubro que não havia nenhuma Grécia Antiga. O que existia era Grécias antigas: centenas de pólis independentes, ou cidades-Estados que, embora tivessem em comum o idioma e alguns traços culturais, eram muito diferentes. Tão diferentes quanto, por exemplo, o Canadá e a África do Sul atualmente. Cada pólis tinha seu próprio governo, suas próprias leis, seus próprios costumes — até seu próprio calendário. Claro, ocasionalmente elas comercializavam mercadorias, competiam no esporte e lutavam guerras espetacularmente sangrentas, mas na maior parte do tempo se ignoravam.
Por que tantas Grécias? A resposta está no próprio terreno. Acidentado e rochoso, ele formava barreiras naturais, isolando as cidades-Estados gregas umas das outras e criando verdadeiras ilhas na terra. Não é de se admirar que uma variedade de microculturas tenha florescido.
E que bom que isso aconteceu. A natureza abomina não só um vazio como também um monopólio. Durante épocas de fragmentação, a humanidade deu seus maiores saltos criativos. Essa tendência, conhecida como lei de Danilevsky, diz que os povos são mais propensos a atingirem seu potencial criativo total quando pertencem a uma nação independente, mesmo que seja minúscula. Isso faz sentido. Se o mundo é um laboratório de ideias, quanto mais placas de Petri no laboratório, melhor.
Na Grécia, uma placa de Petri floresceu como nenhuma outra: Atenas. A cidade produziu mais mentes brilhantes — de Sócrates a Aristóteles — do que qualquer outro lugar que o mundo já conheceu, antes ou depois (apenas a Florença do Renascimento chegou perto).
Na época, porém, a possibilidade de tal grandeza era, no mínimo, bem remota. Para começar, o terreno rochoso e acidentado não era exatamente fértil. “Um esqueleto desencarnado”, como Platão a chamou. Além disso, Atenas era uma cidade pequena, com uma população equivalente à de Wichita, no Kansas, atualmente. Outras cidades-Estados gregas eram maiores (Siracusa), mais ricas (Corinto) ou mais poderosas (Esparta). Entretanto, nenhuma floresceu como Atenas. Por quê? Será que a genialidade ateniense foi simplesmente pura sorte, a convergência de “um conjunto feliz de circunstâncias”, como disse o historiador Peter Watson, ou será que os atenienses fizeram a própria sorte? Isso é, receio eu, uma charada que desafiaria até o oráculo de Delfos. Mas, totalmente cafeinado e armado com a coragem dos ingênuos, eu sigo adiante, determinado a desvendar o mistério. O que preciso fazer primeiro, decido eu, é conhecer as pessoas certas.
Eric Weiner, in Onde nascem os gênios
Nenhum comentário:
Postar um comentário