segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Trepando com aquela cortina

     Falávamos sobre mulheres, espiávamos suas pernas ao saírem dos carros e as olhávamos pelas janelas à noite, na esperança de ver alguém fodendo, mas nunca víamos ninguém. Uma vez chegamos a pegar um casal na cama e o cara estava malhando a mulher e pensamos que agora veríamos algo, mas ela disse:

Não, não quero trepar essa noite!

Então voltou-se de costas para ele, enquanto ele acendia um cigarro e nós partíamos em busca de outra janela.

Filho da puta, nenhuma mulher viraria as costas para mim!

Nem para mim. Que tipo de homem era aquele?

Éramos três, eu, Baldy e Jimmy. Nosso grande dia era domingo. No domingo, nos encontrávamos na casa de Baldy e tomávamos um táxi até a rua principal. A tarifa era de sete centavos.

Havia duas casas de variedades naquele tempo, a Follies e a Burbank. Estávamos apaixonados pelas strippers da Burbank e as piadas eram um pouco melhores, então fomos para lá. Havíamos tentado a casa de filmes pornôs, mas os filmes não eram realmente pesados e todos os enredos eram iguais. Uma dupla de rapazes eventualmente embebedava alguma garota pequena e inocente e, antes que se recuperasse da ressaca, acordaria em uma casa de prostituição com uma fila de marinheiros e corcundas batendo em sua porta. Além disso, nesses lugares em que íamos, os mendigos dormiam noite e dia, mijavam no chão, bebiam vinho e rolavam por cima uns dos outros. O fedor de mijo e vinho e homicídio era insuportável. Fomos para a Burbank.

Vocês estão indo a um show de variedades hoje, rapazes? – perguntava o avô de Baldy.

De jeito nenhum, senhor! Temos mais coisas para fazer.

Fomos. Íamos todos os domingos. Íamos cedo pela manhã, muito antes do show, e caminhávamos para cima e para baixo pela Main Street, olhando para dentro dos bares vazios onde as garotas sentavam perto da porta com suas saias levantadas, bailando seus pés sob a luz do sol que deslizava para dentro do bar escuro. As garotas eram bonitas. Mas nós sabíamos. Tínhamos ouvido. Um cara entrava para tomar uma bebida, e cobravam o olho da cara, tanto pela bebida quanto pelas garotas. Além disso, as bebidas das garotas eram diluídas em água. Você dava uma apalpada ou duas e era isso. Se você mostrasse algum dinheiro, o balconista notaria e algum esquema seria armado e logo você estaria fora do bar e sem dinheiro. Nós sabíamos.

Após nossa caminhada pela Main Street, iríamos até a banca de cachorros-quentes e comeríamos nossos cachorros-quentes de oito centavos e nossa grande caneca de cerveja de um níquel. Levantávamos pesos e nossos músculos estavam salientes e usávamos as mangas bem enroladas e tínhamos, todos nós, um maço de cigarros em nossos bolsos do peito. Tínhamos tentado inclusive um curso de Charles Atlas, Tensão Dinâmica, mas levantar pesos parecia ser a maneira mais óbvia e direta.

Enquanto comíamos nossos cachorros-quentes e bebíamos nossa enorme caneca de cerveja, jogávamos pinball, um centavo por jogo. Acabamos conhecendo aquela máquina muito bem. Quando se fazia a pontuação máxima, ganhava-se um novo jogo. Tínhamos que fazer escores perfeitos, não tínhamos dinheiro para gastar naquilo.

Franky Roosevelt estava lá, as coisas estavam melhorando, mas ainda vivíamos a depressão e nenhum de nossos pais estava trabalhando. Onde arranjávamos nossa pequena porção de trocados era um mistério, exceto pelo fato de que tínhamos um olhar de águia para qualquer coisa que não estivesse cimentada no chão. Não roubávamos, compartilhávamos. E inventávamos. Tendo pouca ou nenhuma grana, inventávamos pequenos jogos para passar o tempo... um deles era caminhar até a praia e voltar.

Isso normalmente era feito em um dia de verão, e nossos pais nunca reclamavam quando chegávamos em casa tarde demais para a janta. Também não se preocupavam com as bolhas grandes e brilhantes na sola de nossos pés. Era quando notavam como havíamos gastado as solas e os saltos de nossos sapatos que começávamos a ouvir as reclamações. Mandavam-nos para a loja que vendia a um preço baixo saltos e solas e cola com pronta-entrega e a um preço justo.

Era a mesma coisa quando jogávamos futebol americano na rua. Não havia nenhuma verba pública para parques. Éramos tão durões que jogávamos futebol nas ruas durante toda a temporada de futebol, e também durante a de basquete e de baseball, até a próxima temporada de futebol. Quando você é derrubado no asfalto, coisas acontecem. A pele se rasga, ossos se quebram, o sangue escorre, mas você se levanta como se nada tivesse acontecido.

Nossos pais nunca se importavam com as feridas e com o sangue e os esfolados; o pecado terrível e imperdoável era rasgar um furo nos joelhos de nossas calças. Só havia, então, duas calças para cada garoto: a para usar todos os dias e a de domingo, e nunca podíamos furar as calças, pois isso mostrava que você era pobre e um idiota e que seus pais eram pobres e idiotas também. Então você aprendia a derrubar um adversário sem cair de joelhos. E o cara que era derrubado aprendia a cair sem encostar os joelhos no chão.

Quando brigávamos, brigávamos por horas e nenhum de nossos pais vinha nos salvar. Acho que era por fingirmos ser tão durões e nunca pedirmos clemência. Mas odiávamos nossos pais, então não podíamos pedir ajuda, eles nos odiavam e quando saíam pela varanda e olhavam-nos casualmente em uma terrível e interminável briga, apenas bocejavam, lançavam uma advertência e voltavam para dentro.

Lutei com um cara que, mais tarde, acabou com um posto muito alto na Marinha dos Estados Unidos. Briguei com ele, um dia, das oito e meia da manhã até depois do pôr do sol. Ninguém nos interrompeu, embora estivéssemos bem em frente ao jardim da casa dele, embaixo de duas enormes árvores com os pardais cagando na gente o dia inteiro.

Foi uma briga dura, foi assim até o fim. Ele era maior, um pouco mais velho e mais pesado, mas eu era mais louco. Paramos por acordo mútuo... Não sei como isso funciona, você tem que passar por isso para entender, mas depois que duas pessoas se batem, uma na outra, por oito ou nove horas, surge uma estranha forma de companheirismo.

No dia seguinte, todo o meu corpo estava azul. Não podia falar por causa dos meus lábios ou me mover sem sentir dor. Estava na cama à espera da morte e minha mãe entrou com a camisa que eu havia vestido durante a luta. Ela a segurou na frente da minha cara, em cima da cama e disse:

Olha! Tem manchas de sangue nesta camisa! De sangue!

Desculpa!

Nunca vou conseguir tirar estas manchas! Nunca!!!

É o sangue dele.

Não me interessa! É sangue! E não sai!

Domingo era o nosso dia, um dia ameno e tranquilo. Íamos à Burbank. Sempre passavam um filme horrível antes. Um filme muito velho, você assistia e esperava. Você estava pensando em garotas. Os três ou quatro caras no poço da orquestra tocavam alto, podiam não tocar muito bem, mas tocavam alto, e aquelas strippers finalmente apareciam e pegavam a cortina, a borda da cortina, e pegavam-na como se a cortina fosse, na verdade, um homem e balançavam seus corpos e trepavam com aquela cortina. Então se balançavam e começavam a tirar a roupa. Se você tivesse dinheiro suficiente, ganhava até mesmo um saco de pipoca; se não, para o inferno com a pipoca.

Antes do próximo ato havia um intervalo. Um homenzinho se levantava e dizia:

Senhoras e senhores, se me derem um minuto de sua atenção...

Ele vendia um pequeno óculo com uma foto no fundo . Na extremidade de vidro de cada um, se você olhasse contra a luz, havia uma imagem belíssima. Isso ele prometia! Custava apenas cinquenta centavos a unidade, um bem para a vida inteira por apenas cinquenta centavos, disponível apenas para os clientes da Burbank e em nenhum outro lugar.

Basta segurá-lo contra a luz e vocês verão! E muito obrigado, senhoras e senhores, por sua gentil atenção. Agora os lanterninhas passarão pelos corredores próximos a vocês.

Dois vagabundos pé-rapados passavam pelos corredores entre as cadeiras, fedendo a moscatel, cada um carregando um saco com os dispositivos. Nunca vi alguém comprá-los. Imagino, entretanto, que, se você olhasse contra a luz, a figura seria a de uma mulher nua.

A banda recomeçou e as cortinas se abriram e lá estava a linha de coristas, a maioria delas antigas strippers envelhecidas, pesadamente maquiadas com rímel e ruge e batom, cílios falsos. Faziam o que podiam para acompanhar a música, mas sempre ficavam um pouco para trás. Mas continuavam. Eu as considerava muito corajosas.

Então vinha um cantor. Era muito mais difícil gostar dele. Cantava aos brados sobre amores arruinados. Não sabia cantar e, quando acabava, abria os braços e curvava a cabeça ao mínimo som de aplausos.

Então vinha o comediante. Ah, esse era bom! Aparecia com um sobretudo velho e marrom, o quepe puxado para baixo até os olhos, relaxado e caminhando como um vagabundo, um vagabundo sem nada para fazer e sem ter para onde ir. Uma garota entraria no palco e seus olhos a seguiriam. Então ele virava para o público e dizia com sua boca desdentada:

Por Deus! Não me castigue!

Outra garota entrava no palco, e ele ia até ela, colocava sua cara próxima à dela e dizia:

Sou um velho, passei dos 44, mas quando a cama quebra, termino o serviço no chão.

Isso era o suficiente. Como ríamos! Os jovens e os velhos, como ríamos. E também havia a rotina da mala. Ele está tentando ajudar alguma garota a fechar sua mala. As roupas ficam caindo para fora.

Não consigo colocar isso pra dentro!

Assim, deixe eu ajudar!

Escapou outra vez!

Espere! Vou ficar em pé aqui em cima!

Como? Oh não, em pé não! A coisa seguia por aí.

Ah, ele era engraçado!

Finalmente as primeiras três ou quatro strippers voltavam. Cada um de nós tinha a sua preferida e estávamos todos apaixonados. Baldy tinha escolhido uma garota francesa magricela, com asma e olheiras muito escuras. Jimmy gostava da Mulher Tigre (a Tigresa, na verdade). Chamei a atenção de Jimmy para o fato de que a Mulher Tigre definitivamente tinha um peito maior do que o outro. A minha era Rosalie.

Rosalie tinha uma bunda grande e a balançava sem parar, cantando musiquinhas engraçadas e, enquanto caminhava tirando a roupa, falava sobre si mesma e ria. Era a única que realmente gostava do que fazia. Eu estava apaixonado por ela. Muitas vezes pensei em lhe escrever para dizer como ela era maravilhosa, mas, não sei por que, nunca escrevi.

Certa tarde, estávamos esperando pelo táxi depois de um espetáculo, e lá estava a Mulher Tigre esperando por um também. Usava um vestido verde justo e nós ficamos ali parados, olhando para ela.

É a sua garota, Jimmy, é a Mulher Tigre.

Cara, como é gostosa! Olha só!

Vou falar com ela – disse Baldy.

É a garota do Jimmy.

Não quero falar com ela – disse Jimmy.

Vou falar com ela – disse Baldy. Pôs um cigarro na boca, acendeu e caminhou até ela.

E aí, gata! – sorriu maliciosamente para ela.

A Mulher Tigre não respondeu. Continuou olhando bem em frente, esperando pelo carro.

Sei quem você é. Vi seu show hoje. Você é muito linda, gata, muito mesmo!

Ela não respondeu.

Você rebola bem, meu Deus, você realmente sabe rebolar.

Ela continuou olhando diretamente em frente. Baldy estava ali sorrindo para ela feito um idiota.

Quero meter em você. Quero trepar com você, gata!

Fomos até lá e tiramos Baldy de perto dela. Caminhamos com ele até o fim da quadra.

Seu idiota, você não tem o direito de falar assim com ela!

Bem, ela se levanta e rebola, ela fica em pé na frente dos homens e rebola!

Ela está apenas tentando ganhar uma grana.

Ela é gostosa, muito gostosa, está querendo!

Você está louco.

Caminhamos com ele rua abaixo.

Pouco depois disso, comecei a perder o interesse naqueles domingos na Main Street. Suponho que a Follies e a Burbank ainda estejam lá. Claro, a Mulher Tigre e a stripper com asma e Rosalie, minha Rosalie, já se foram há muito tempo. Provavelmente mortas. A enorme e balançante bunda de Rosalie está provavelmente morta. E, quando estou na minha vizinhança, passo dirigindo em frente à casa em que vivia e vejo estranhos morando lá. Ainda assim, aqueles domingos eram bons, a maioria dos domingos eram bons, uma pequena luz na escuridão dos dias da depressão, quando nossos pais saíam pelas varandas, desempregados e impotentes, e olhavam-nos enquanto espancávamos uns aos outros pra valer e então voltavam para dentro e ficavam encarando as paredes, com medo de ligar o rádio por causa da conta de luz.

Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum

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