A
realidade não existe. Existe o passeio de Jeshua sobre as águas, ou
teu longo passeio de dentro sobre muros altos, teu vale colorido de
verduras, as grandes cúpulas de turquesa e ouro jorrando luz sobre o
teu pobre corpo. Teu pobre corpo não existe. Pode ser fonte de
alguma coisa que tu não conheces, mas é sinistro e breve. Sinistro
e breve não existem. Existe uma coisa sem nome que preexiste a tudo
que conheces. O que conheces é nada. E o nada em nenhum lugar
acontece. Tu és cego e triste.
Lutei
convosco, fiquei cansado
fiquei caído. Quando acordei
Tu me ungiste. Tu me elevaste.
Tu eras meu pai e eu não sabia.
Eu sofri muito. Furei as mãos.
Ceguei. Morri. Tu me salvaste.
Eu sou teu filho e não sabia.
Lutamos muito: eu Te feri
Perdoa, Pai, pensai meus olhos:
Eu era cego e não sabia.
(Jorge de Lima)
fiquei caído. Quando acordei
Tu me ungiste. Tu me elevaste.
Tu eras meu pai e eu não sabia.
Eu sofri muito. Furei as mãos.
Ceguei. Morri. Tu me salvaste.
Eu sou teu filho e não sabia.
Lutamos muito: eu Te feri
Perdoa, Pai, pensai meus olhos:
Eu era cego e não sabia.
(Jorge de Lima)
A
realidade não existe. Só é vivo o verdadeiro o invisível. O que
ofusca e você não vê. Só é visível o que é permissível. E o
que é permissível não tem a menor importância. Tua casa, teus
bofes, tua cara nas manhãs, amarfanhada, teu ouro, teus dólares,
tuas bochechas pálidas, teu pão seco ou com manteiga, tua criada ou
teu mordomo de quarto (mordomo de quarto não existe, a não ser
aquele da novela das oito, esse sim existe, pena que não no meu
catre, e também não na tua cama, madama, na tua cama existe aquele
outro teu, inteiro chato)… Tudo o que é maravilha sonhada
persiste. E por isso vão aí uns versos tristes, meus:
Muros
cendrados.
De estio. De equívoca clausura.
Lá dentro um fluxo voraz
De sentimentos, um tecido
De escamas. Sangue escuro.
Lá. Depois do muro.
Criança me debrucei
Sobre a tua cinzenta solidez.
E até hoje me queima
A carne da cintura.
De estio. De equívoca clausura.
Lá dentro um fluxo voraz
De sentimentos, um tecido
De escamas. Sangue escuro.
Lá. Depois do muro.
Criança me debrucei
Sobre a tua cinzenta solidez.
E até hoje me queima
A carne da cintura.
Acorda,
negão! Teu pimpolho te chama para o indefectível fliperama.
Hilda
Hilst, in Correio Popular, 16/07/1995
Nenhum comentário:
Postar um comentário