sábado, 22 de agosto de 2020

Retrato do cassoar

A primeira coisa que faz o cassoar é olhar para a gente com uma altivez desconfiada. Limita-se a olhar sem se mexer, a olhar de maneira tão dura e contínua que é quase como se estivesse inventando, como se graças a um terrível esforço nos tirasse do nada que é o mundo dos cassoares e nos colocasse perante ele, no ato inexplicável de contemplá-lo.
Dessa dupla contemplação que talvez seja só uma e no fundo nenhuma, nascemos o cassoar e eu, situamo-nos, aprendemos a desconhecer-nos. Não sei se o cassoar me identifica e me inscreve no seu mundo simples; da minha parte não posso descrevê-lo, dedicar a sua presença um capítulo de gostos e desgostos. Sobretudo de desgostos, porque o cassoar é antipático e repulsivo. Imagine-se um avestruz com uma tampa de chaleira de chifre na cabeça, uma bicicleta amassada entre dois automóveis e que se amontoa em si mesma, uma decalcomania mal tirada e onde predominam um roxo sujo e uma espécie de crepitação. Agora o cassoar dá um passo à frente e adota um ar mais seco; é como um par de óculos cavalgando um pedantismo infinito. Mora na Austrália, o cassoar; é covarde e temível ao mesmo tempo; os guardas entram em sua jaula com altas botas de couro e um lança-chamas. Quando o cassoar pára de correr apavorado em redor do guisado de farelo que lhe servem e se precipita com saltos de camelo sobre o guarda, não há outro remédio senão abrir o lança-chamas. Então se vê o seguinte: o rio de fogo o envolve e o cassoar, com todas as penas em chamas, avança seus últimos passos enquanto prorrompe num guincho abominável. Mas seu chifre não se queima: a seca matéria de escamas que é seu orgulho e seu desprezo entra em fusão fria, acende-se num azul prodigioso, num escarlate que parece um punho esfolado e por fim acaba no verde mais transparente, na esmeralda, pedra da sombra e da esperança. O cassoar se desmancha, rápida nuvem de cinza, e o guarda corre ávido para apoderar-se da gema recém-nascida. O diretor do zoológico aproveita sempre esse momento para instaurar-lhe um processo por maus-tratos aos animais e despedi-lo.
Que mais diremos do cassoar, depois desta dupla desgraça?
Julio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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