A
perseguição moderna ao poder é alimentada pela aliança entre o
progresso científico e o crescimento econômico. Na maior parte da
história, a ciência progrediu a passos de tartaruga, enquanto a
economia permanecia em profunda estagnação. O crescimento gradual
da população humana levou ao aumento correspondente na produção,
e descobertas esporádicas resultaram às vezes em crescimento per
capita, mas foi um processo muito lento.
Se
no ano 1000 cem aldeias produziam cem toneladas de trigo e, em 1100,
105 aldeias produziam 107 toneladas de trigo, esse crescimento não
mudou o ritmo de vida ou a ordem sociopolítica. Hoje em dia todos
estão obcecados por crescimento, porém na era pré-moderna as
pessoas eram alheias a isso. Príncipes, sacerdotes e camponeses
supunham que a produção humana era mais ou menos estável, que uma
pessoa só poderia enriquecer enganando outra e que era improvável
que seus netos fossem desfrutar de um padrão de vida melhor.
Essa
estagnação resultou em grande medida das dificuldades que envolviam
o financiamento de novos projetos. Sem um financiamento adequado, não
era fácil drenar pântanos, construir pontes e portos — sem falar
no desenvolvimento de novas cepas de trigo, na descoberta de novas
fontes de energia ou na abertura de novas rotas de comércio. Os
financiamentos eram raros porque as pessoas não acreditavam em
crescimento; e as pessoas não acreditavam em crescimento porque a
economia estava estagnada. A estagnação, portanto, se perpetuava.
Suponha
que você vive em uma cidade medieval que sofre surtos anuais de
disenteria. Você decide que vai encontrar uma cura. Precisa de
financiamento para montar um laboratório, comprar ervas medicinais e
substâncias químicas exóticas, pagar o salário de assistentes e
viajar para consultar médicos famosos. Também precisa de dinheiro
para se alimentar e a sua família enquanto se ocupa com a realização
da pesquisa. Mas você não tem muito dinheiro. Pode procurar o
marceneiro, o ferreiro e o padeiro locais e lhes pedir que supram
suas necessidades durante alguns anos, com a promessa de que, quando
finalmente descobrir a cura e ficar rico, você pagará suas dívidas.
Infelizmente,
o marceneiro, o ferreiro e o padeiro provavelmente não vão aceitar
sua proposta. Também precisam alimentar a própria família e não
acreditam em medicamentos milagrosos. Não nasceram ontem, e em todos
esses anos nunca ouviram falar de alguém que houvesse descoberto um
remédio para alguma doença temida. Se você quer provisões, tem de
pagar em espécie. Mas como poderia ter dinheiro se ainda não
descobriu o remédio, e todo o seu tempo será dedicado à pesquisa?
Relutante, você volta a lavrar sua terra, a disenteria segue
atormentando os moradores da cidade, ninguém tenta desenvolver
nenhum medicamento e nem uma só moeda de ouro muda de mãos. É
assim que a economia se estagna, e a ciência não sai do lugar.
O
ciclo foi quebrado na era moderna graças à crescente confiança das
pessoas no futuro e do consequente milagre do crédito. O crédito é
a manifestação econômica dessa confiança. Hoje, se eu quiser
desenvolver uma nova droga, mas não tiver dinheiro, posso obter um
empréstimo do banco ou me voltar para investidores privados e
capitais de risco. Quando irrompeu o surto de Ebola na África
Ocidental, no verão de 2014, o que você acha que aconteceu com as
ações das companhias farmacêuticas que se dedicavam a desenvolver
drogas e vacinas para combatê-lo? Elas subiram como foguete. As
ações da Tekmira subiram 50% e as da BioCryst, 90%. Na Idade Média,
a eclosão da peste fez as pessoas erguerem os olhos para o céu e
rezarem a Deus para que lhes perdoasse os pecados. Hoje, quando ouvem
falar de uma epidemia nova e mortal, elas pegam o telefone e ligam
para seu corretor. Para o mercado de ações, até mesmo uma epidemia
é uma oportunidade de negócios.
Se
novos empreendimentos dão certo, a confiança no futuro aumenta, o
crédito se expande, os juros caem, empreendedores podem levantar
dinheiro mais facilmente, e a economia cresce. Em consequência, a
confiança no futuro é ainda maior, a economia continua a crescer, e
a ciência progride junto com isso.
No
papel, isso parece simples. Por que, então, a humanidade teve de
esperar até a era moderna para que o crescimento econômico ganhasse
impulso? Durante milhares de anos, as pessoas tinham pouca fé num
crescimento futuro não porque fossem idiotas, mas porque isso
contradizia seus pressentimentos viscerais, nossa herança evolutiva
e o modo como o mundo funciona. A maioria dos sistemas naturais está
em equilíbrio, e a maioria das lutas pela sobrevivência consiste em
um jogo de soma zero, no qual uma pessoa só pode prosperar às
custas de outras.
Por
exemplo, a cada ano aproximadamente a mesma quantidade de capim
cresce em determinado vale. O capim sustenta uma população de 10
mil coelhos, incluindo coelhos lentos, parvos ou azarentos o bastante
para serem presas de cem raposas. Se uma raposa for muito diligente e
capturar mais coelhos do que o usual, outra raposa provavelmente
morrerá de fome. Se todas as raposas de algum modo conseguirem
capturar mais coelhos simultaneamente, a população de coelhos vai
sofrer com isso, e no ano seguinte muitas raposas ficarão famintas.
Mesmo havendo flutuações ocasionais no mercado de coelhos, no longo
prazo as raposas não podem contar com a caça anual de, digamos, 3%
de coelhos a mais do que no ano anterior.
Algumas
realidades ecológicas são mais complexas, e nem todas as lutas pela
sobrevivência resultam em soma zero. Muitos animais cooperam
efetivamente para isso, e alguns até fazem empréstimos. Os mais
famosos emprestadores na natureza são os morcegos-vampiros. Eles
juntam-se no interior das cavernas e toda noite saem voando em busca
de suas presas. Quando encontram uma ave a’angue a mais do que em
2016 e que em 2018 o mercado de sangue irá crescer novamente 3%.
Consequentemente, morcegos-vampiros não acreditam em crescimento.
Durante milhões de anos de evolução, os humanos viveram em
condições semelhantes à dos vampiros, das raposas e dos coelhos. É
por esse motivo que acham difícil acreditar em crescimento.
Yuval
Noah Harari,
in Homo
Deus: Uma breve história do amanhã
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