segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Parabéns por tudo

Cumprimentava a todos por tudo e mesmo a pretexto de nada. Felicitações, congratulações que não acabavam mais. Chegou a dar parabéns (a parabenizar, como dizia) a alguém porque botava uma carta no correio.
Que há de mais nisto? Todo mundo bota cartas no correio.
Mas você botou de modo especial.
Especial, como?
Notei em sua fisionomia a confiança plena no processo de comunicação, uma espécie de felicidade.
Pois olhe: estou enfrentando uma cólica renal.
Parabéns por enfrentá-la de pé. Qualquer outro estaria internado.
A carta é de cobrança.
Então você tem a receber uma bolada. Parabéns.
O outro teve vontade de… Conteve-se.
O felicitador contumaz saiu dando parabéns a todo mundo. Seu fim não foi bom. Telegrafou entusiasticamente ao chefe do governo, felicitando-o por não fazer absolutamente nada de bom nem de mau: o governo ideal. Acharam que era desaforo, e o detiveram, processaram e condenaram a não sei quantos anos de abstenção de cumprimentos.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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