segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Misto-Quente / 23



No Mt. Justin, a aula de biologia era agradável. Tínhamos o sr. Stanhope como nosso professor. Era um cara velho, duns 55 anos, e nós praticamente o dominávamos. Lilly Fischman estava na turma e ela realmente já tinha se desenvolvido. Seus peitos eram enormes, e ela possuía um rabo maravilhoso que rebolava sem parar enquanto caminhava sobre os saltos altos. Ela era fantástica, falava com todos os caras e roçava neles durante as conversas.
Todos os dias na aula de biologia acontecia a mesma coisa. Não aprendíamos nada da matéria. O sr. Stanhope falava por uns dez minutos, e então Lilly dizia:
Oh, sr. Stanhope, vamos fazer um show!
Não!
Ah, sr. Stanhope!
Então ela caminhava até a mesa dele, inclinava-se na direção dele derramando doçura e lhe sussurrava algo.
Oh, está bem, tudo certo... – ele dizia.
Em seguida, Lilly começava a cantar e a rebolar. Seu número de abertura era sempre A canção de ninar da Broadway e depois seguia com outras atrações. Ela era incrível, era tesuda, botava fogo em tudo, nos incendiava. Era como uma mulher feita, excitando Stanhope, excitando a gente. Era uma maravilha. O velho Stanhope ficava ali, sentado, gemendo e babando. Ríamos de Stanhope e, com aplausos, incentivávamos Lilly a continuar. Nossa alegria acabou quando certo dia o diretor, sr. Lacefield, entrou correndo na sala.
O que está acontecendo aqui?
Stanhope ficou imóvel em seu lugar, incapaz de pronunciar uma palavra sequer.
A turma está dispensada – gritou Lacefield.
Enquanto saíamos, enfileirados, Lacefield disse:
E você, srta. Fischman, compareça à minha sala!
Logicamente que, depois do ocorrido, ninguém se preocupou em fazer as lições de casa e tudo ia bem até o dia em que o sr. Stanhope nos aplicou a primeira prova.
Merda – disse Peter Mangalore em voz alta –, o que vamos fazer?
Peter era o dos 25 centímetros, mole.
Você nunca vai precisar trabalhar pra viver – disse o cara que se parecia com Jack Dempsey. – Isto é problema nosso.
Talvez a gente devesse botar fogo no colégio – disse Red Kirkpatrick.
Merda – disse um cara lá do fundo da sala. – Cada vez que eu recebo um “F” meu pai me arranca uma das unhas.
Olhamos todos para as folhas da prova. Pensei em meu pai. Depois, em Lilly Fischman. Lilly Fischman, pensei, você é uma prostituta, uma mulher diabólica, rebolando seu corpo na frente da gente e cantando daquele jeito, graças a você vamos todos para o inferno.
Stanhope nos observava.
Por que ninguém está escrevendo? Por que ninguém responde às questões? Todos têm lápis?
Sim, sim, todos temos lápis – um dos caras respondeu.
Lilly sentou bem na frente, perto da mesa do sr. Stanhope. Vimos ela abrir o livro de biologia em busca da resposta para a primeira questão. Era isso. Todos abrimos nossos livros. Stanhope ficou lá sentado, olhando para a gente. Não sabia o que fazer. Começou a tartamudear. Ficou ainda uns cinco minutos sentado, então se ergueu num salto. Percorria a sala em todas as direções, por entre as fileiras de classes.
O que vocês pensam que estão fazendo? Fechem esses livros! Fechem esses livros!
Quando ele se aproximava, os alunos fechavam rapidamente os livros, somente para tornar a abri-los assim que ele se afastava.
O Carequinha estava na carteira ao lado da minha, rindo.
Ele é um otário! Oh, mas que velho otário!
Sentia um pouco de pena por Stanhope, mas era ele ou eu. Stanhope voltou para sua mesa e de lá gritou:
Todos os livros devem ser fechados ou vou reprovar a turma inteira!
Então Lilly Fischman se pôs de pé. Ergueu a saia e puxou uma de suas meias de seda. Ajeitou a liga, vimos sua carne branca. Depois trocou de perna e arrumou a outra meia. Nunca havíamos tido uma visão daquelas, nem mesmo Stanhope testemunhara nada parecido com aquilo. Lilly se sentou e todos concluímos a prova com nossos livros abertos. Stanhope ficou no seu lugar, completamente derrotado.
Outro cara que enrolávamos era Pop Farsworth. Tudo começou logo no primeiro dia de oficina mecânica. Ele disse:
Aqui aprendemos fazendo. E vamos começar agora. Cada um de vocês vai desmontar um motor e depois montá-lo novamente, até que ele esteja funcionando, ao longo do semestre. Há mapas explicativos nas paredes e eu vou responder às duvidas que vocês tiverem. Vocês também assistirão a filmes sobre como funciona um motor. Mas agora, por favor, comecem a desmontar os seus motores. As ferramentas estão nos armários.
Ei, Pop, que tal assistirmos aos filmes primeiro? – sugeriu um dos rapazes.
Eu disse: comecem seus trabalhos!
Não sei onde é que eles arranjaram todos aqueles motores. Eles estavam cobertos de graxa e pretos e enferrujados. Tinham um aspecto realmente funesto.
Caralho – disse um dos rapazes –, esse aqui parece um cagalhão endurecido.
Ficamos em frente aos nossos motores. A maioria dos rapazes pegou as chaves inglesas. Red Kirkpatrick pegou uma chave de fenda e raspou devagar a parte de cima do motor, criando, cuidadosamente, uma tira negra de graxa com mais de meio metro.
Vamos lá, Pop, que tal um filminho? Acabamos de chegar da ginástica, estamos pregados! Wagner nos fez saltar e pular como um bando de sapos!
Comecem suas tarefas!
Começamos. Aquilo não fazia nenhum sentido. Conseguia ser pior do que Iniciação Musical. Os ruídos das ferramentas se faziam ouvir, entremeados por suspiros profundos.
CARALHO! – berrou Harry Henderson –, ACABO DE ESFOLAR A PORRA DO MEU DEDO! ISSO TUDO NÃO PASSA DE UMA FODIDA ESCRAVIDÃO BRANCA!
Com cuidado, enrolou um lenço em volta da mão direita e ficou olhando o sangue empapar o tecido.
Merda – ele disse.
O resto de nós seguiu tentando.
Preferia enfiar minha cabeça na boceta de uma elefanta – disse Red Kirkpatrick.
Jack Dempsey jogou sua chave inglesa no chão.
Desisto – ele disse –, faça o que quiser comigo. Desisto. Me mate. Corte minhas bolas fora. Desisto.
Saiu andando e se encostou contra a parede. Cruzou os braços e ficou olhando para o chão.
A situação parecia realmente terrível. Não havia nenhuma garota. Quando se olhava para a porta dos fundos da oficina dava para ver o amplo pátio do colégio, todo o calor dos raios de sol e o ar livre, lá, onde não havia nada para se fazer. Já aqui, nos debruçávamos sobre motores estúpidos que sequer estavam conectados aos carros, motores inúteis. Apenas pedaços estúpidos de aço. Era uma tolice, mas uma tolice das mais duras. Precisávamos de compaixão. Nossas vidas já eram suficientemente idiotas. Alguma coisa tinha que nos salvar. Tinham nos dito que Pop pegava leve, mas isso em nada se assemelhava à verdade. Ele era um filho-da-puta, enorme, com uma barriga de cerveja, usando seu macacão encardido, o cabelo lhe caindo sobre os olhos e o queixo sujo de graxa.
Arnie Whitechapel jogou longe sua chave inglesa e se dirigiu até o sr. Farnsworth. Arnie tinha um sorriso sarcástico no rosto.
Ei, Pop, que porra é essa?
Volte pro seu lugar, Whitechapel!
Ah, qual é, Pop, chega dessa merda!
Arnie era alguns anos mais velho do que nós. Ele passara algum tempo num reformatório. Mas apesar de ser o mais velho, era também o mais baixinho. Tinha um cabelo muito escuro, alisado para trás com vaselina. Ficava na frente do espelho no banheiro masculino espremendo suas espinhas. Falava sacanagens para as garotas e carregava camisinhas Sheik nos bolsos.
Tenho uma boa pra você, Pop!
É? Volte pro seu motor, Whitechapel.
É uma das boas, Pop.
Ficamos ali parados assistindo ao Arnie contar uma piada suja ao Pop. Suas cabeças estavam próximas. Então a piada chegou ao fim. Pop começou a rir. Aquele corpanzil se curvou de tanto gargalhar.
Puta merda, oh, meu Deus, puta merda! – ele ria. Então parou. – Ok, Arnie, agora volte pro seu motor!
Não, espere, Pop, tenho mais outra!
Sério?
Claro, escute só...
Todos abandonamos nossos postos e nos aproximamos. Fizemos um círculo ao redor deles, para escutar Arnie contar sua nova piada. Quando ele terminou, Pop se dobrou de tanto rir.
Puta merda, oh, Senhor, puta merda!
E tem ainda mais outra, Pop. O cara estava dirigindo o carro pelo deserto. Percebeu que tinha um outro pulando no meio da estrada. Ele estava pelado, os pés e as mãos amarrados. O cara do carro parou e perguntou: “Ei, camarada, o que aconteceu?”. E o cara respondeu: “Bem, eu vinha dirigindo e aí vi um cretino pedindo carona. Então, eu parei e o filho-da-puta apontou uma arma para mim, me obrigou a tirar a roupa e me amarrou. Depois o filho-da-puta, o sujo, me comeu o rabo!”. “É mesmo?”, perguntou o outro, saindo do carro. “Sim, foi isso que aquele maldito filho-da-puta fez!”, disse o homem. “Bem”, disse o cara abrindo as calças, “acho que hoje não é o seu dia de sorte!”
Pop começou a rir, se curvando.
Oh, não! Oh, NÃO! OH... PUTA... MERDA, CRISTO... PUTA MERDA...
Finalmente ele parou.
Infernal – ele disse baixinho –, oh, meu Deus...
Que tal um filme agora, Pop?
Oh, tudo certo, tudo bem.
Alguém fechou a porta dos fundos e Pop puxou uma tela branca imunda. Ligou o projetor. O filme era vagabundo, mas era dez vezes melhor do que ficar trabalhando naqueles motores. A gasolina entrava em combustão sob a ação das velas de ignição e a explosão atingia os pistões que eram impelidos para baixo e esse movimento girava o virabrequim e as válvulas se abriam e se fechavam e os pistões continuavam subindo e descendo e o virabrequim girava um pouco mais. Nada muito interessante, mas estava fresco dentro da sala e você podia se recostar na cadeira e pensar naquilo que lhe desse na telha. Você não tinha que ficar esfolando os dedos naquele aço imbecil.
Nunca terminamos de desmontar aqueles motores nem tampouco voltamos a montá-los e não sei quantas vezes assistimos ao mesmo filme. Whitechapel continuou contando novas piadas e nós ríamos desbragadamente, ainda que a maioria das piadas não tivesse graça nenhuma, exceto para Pop Farnsworth, que continuava se dobrando de tanto rir.
Puta merda! Oh, não! Oh, não, não, não, não!
Ele era um cara bacana. Todos nós gostávamos dele.
Charles Bukowski, in Misto-Quente

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