...
Minha mãe muitas vezes tomava esse modo de falar. Quem sabe quisesse
mais do que sentia e podia, fugia do que tinha de ser. A dela — a
gente, sem querer, pensava — era bondade, perfeita, ou insistida
fraqueza? Minha mãe era toda amor, mas ela recitava palavras
ouvidas, precisava de imitar a outros, e quando praticava assim
parecia estar traindo. Sua beleza, tanta, teria alguma semelhança
com a de Dona Lalinha? Dona Lalinha também é frágil, e a
fragilidade de propósito realçada. E, de repente, vi Maria da
Glória. Vi-a, a vulto, mas sentindo densamente sua presença, como
um cão fareja. Logo não olhei; como não se olha o alagável do
sol, digo, porque me travou um medo. O medo de não ser o momento
certo para a encontrar. Maria da Glória era a mulher que menos me
lembrava minha mãe. Ela não me lembrava pessoa alguma.
Resguardava
meus olhos dessa moça, durante horas me adiei dela, as deusas ferem.
Ali, no Buriti Bom, o capturável aspecto das criaturas também se
defendia de mim, me escapava. Melhor, muito em minúcias, me recordo
de tudo o mais, depois e antes, na Grumixã, por exemplo, ou na
estrada, enquanto viajava com nhô Gualberto. Mas, no Buriti Bom,
todos circulavam ou estavam justos, num proceder estabelecido, que
esquivava a compreensão. De repente, me preocupei demais com minhas
maneiras e palavras. Maria da Glória estava ali. Que sei de Maria da
Glória? Todos estes meses, pensei nela. Sonho seu amavio, o contacto
de seus braços, o riso dos risos, o valor dos olhos, e todos os
movimentos que serão os dela, durante sua vida inteira. Tanto me
acompanha. Seu corpo, que, quanto mais enérgico, prometia maior
langor. Ela apareceu. Senti-a futura demasiadamente, já no primeiro
encanto, no arroubo do primeiro medimento. Perdi-me no que falamos.
Mas, brusca e sábia, ela encorajava minha timidez. Adivinhava-me.
Daí, em tudo o que falei, de chofre, sem razão de assunto. Seguia
meu olhar, para o verde de uma vereda, que marcava, à distância, a
noroeste, o princípio dos altos campos.
Guimarães
Rosa, in Buriti
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