Já
tive cachorro, gato, jabuti — não confundam o jabuti com a
tartaruga, ou com o cágado, todos são répteis, mas a tartaruga
vive somente na água, tem casco achatado e patas afinadas, o jabuti
possui casco convexo, bem arqueado, e patas grossas, que parecem
réplicas miniaturizadas da pata dos elefantes, e o cágado
distingue-se do jabuti por ser um quelônio de água doce e não
terrestre, além de ter o pescoço mais longo.
Os
jabutis gostam mais de carinho do que qualquer outro animal, apenas
não podem manifestar esse pendor ronronando como os gatos ou
lambendo a gente como os cachorros. Os jabutis gostam que se passe a
mão de leve na sua carapaça, e dá para notar que eles gostam das
carícias, mesmo que não façam qualquer ruído, pois é possível
sentir uma espécie de aquecimento do seu escudo quitinoso.
Um
dia o meu jabuti sumiu. Claro que foi roubado. Já disse e repito:
este é um país de ladrões.
Botei
anúncio nos jornais oferecendo uma gratificação a quem achasse o
meu jabuti. Eu devia estar dizendo a minha jabuti, ela era do sexo
feminino e seu nome era Samanta. Como eu sabia o sexo da minha
Samanta? Muito simples. Basta olhar o plastrão, a parte de baixo da
carapaça, o que seria a barriga do animal. Os jabutis machos possuem
essa parte do casco profundamente côncava para encaixar na fêmea na
hora do acasalamento. Já as fêmeas têm o plastrão sem concavidade
ou ligeiramente convexo.
Então
apareceu na minha casa um sujeito dizendo que havia achado o meu
jabuti. Queria receber logo a indenização, pois, segundo ele,
estava atrasado para um compromisso.
Foi
fácil verificar que o jabuti que o espertalhão me trouxera era um
macho.
“Esse
não é o meu jabuti. Ponha-se daqui para fora antes que eu chame a
polícia.”
O
mandrião saiu correndo com o rabo entre as pernas.
Samanta
nunca mais apareceu. Então decidi que teria um animal diferente.
Gato e cachorro nem entraram nas minhas cogitações. Depois de
matutar longamente escolhi o animal: o ouriço.
Os
ouriços são animais principalmente noturnos, que se alimentam de
insetos, caracóis, lesmas e vegetais. Os seus predadores principais
são as corujas e os furões. O ouriço conta com a sua coloração
como camuflagem, mas quando ameaçado enrola-se numa bola expondo
apenas a face coberta de espinhos. Não devemos confundir o ouriço
com o porco-espinho. O porco-espinho é um roedor. Uma diferença
importante entre estas duas espécies é que os espinhos do ouriço,
ao contrário dos do porco-espinho, não se soltam naturalmente, nem
são venenosos. Os ouriços têm mais de 16 mil picos e usam-nos para
diferentes necessidades: camuflagem, defesa, ataque, transporte de
comida. Eles possuem um focinho pequeno e quatro patas que se
mobilizam bastante bem. Possuem também uma cauda de cinco
centímetros.
Não
foi fácil achar um ouriço para comprar.
Afinal
apareceu na minha casa um velho corcunda, de barba, vesgo, parecia um
fantasma. Mas não trazia qualquer ouriço com ele.
“Onde
está o ouriço?”
“O
nome dele é Zé.”
“Onde
está o Zé?”
“Se
o senhor quiser o Zé”, disse o corcunda vesgo, “tem que comprar
também a gaiola de vidro com a roda para ele brincar”.
“E
quanto é isso tudo?”
O
preço que o velho corcunda estipulou era muito alto, mas eu aceitei.
“Pagamento
adiantado”, ele disse.
Paguei.
No
dia seguinte ele pareceu com uma gaiola de vidro. Dentro, uma roda de
uns trinta centímetros de diâmetro para o ouriço brincar. Aliás
ele estava brincando na roda, mas quando me viu parou e ficou me
olhando inquisitivamente. Ele tinha o corpo e o focinho coberto de
espinhos. Mas o seu olhar era muito cativante.
“Cuidado
com as corujas”, disse o corcunda.
“Eu
sei, eu sei.”
“Ele
gosta muito de lesmas e de brócolis, mas tem que ser bem verdinho.”
“Eu
sei, eu sei.”
O
corcunda se retirou. Eu e o ouriço ficamos nos olhando. O olhar do
Zé era tão sedutor que eu o tirei da gaiola. Ele se aninhou nos
meus braços, os espinhos nem me tocaram.
Ele
é o meu melhor amigo. Consegui um fornecedor de lesmas e caracóis.
O Zé engordou, mas não muito.
Agora
dormimos juntos na mesma cama.
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
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