Jake
caminhara com ele até o topo da colina para se despedir e, pouco
antes de partir, Sete Luas apontara para um pedaço de chão
recentemente escavado, obra de um porco-do-mato, dando um sorriso
estupendo:
– Ah,
aí vemos alguma esperança; o domesticado se tornando selvagem. Os
porcos são muito graciosos. Seus corpos são feitos para segurar o
céu. Eu não me importaria de ser um porco, alguma vez… um velho
porco, louco e grande. Seria ótimo.
Vovô
Jake não conseguia tirar isso da cabeça, até que finalmente contou
a Miúdo o que achava, isto é, que o Cerra-Dente era o espírito
reencarnado de Johnny Sete Luas, e que talvez ele devesse pensar no
assunto antes de se fixar demais em matá-lo.
Miúdo
sacudiu a cabeça, inflexível.
– Simplesmente
não é verdade, vovô – replicou quase implorando. – Quando as
pessoas morrem, elas se vão. Se vão. E isso é tudo.
Assim,
vovô Jake não voltou ao assunto. Não havia por quê. Sua opinião
não era tão forte quanto as necessidades de Miúdo. Disse o que
precisava dizer e desse modo cumpriu o que sentia ser sua
responsabilidade, tanto para com o neto quanto para com seu velho
amigo índio. Johnny Sete Luas, em qualquer forma que seu espírito
tivesse tomado, teria que cuidar do próprio traseiro.
O
mesmo valia para Miúdo, aonde quer que seu espírito o tivesse
levando.
Algumas
noites depois, tendo saído para sua caminhada noturna, vovô Jake
deu com o Cerra-Dente na vellha trilha de cavalos que levava aos
Claybourne. Encontraram-se por puro acaso no topo de uma subida;
ambos
recuaram por um instante e depois atacaram. Vovô foi jogado para
cima, bem alto, deu uma meia cambalhota torta e caiu na terra que a
chuva amaciara, como se fosse um monte de tripas no chão de um
matadouro. Felizmente, a única coisa que quebrou foi a garrafa do
Sussurro da Morte no bolso do casaco, e apesar de o Cerra-Dente ter
dado algumas investidas de estalar as mandíbulas, açoitando as
costelas de Jake, os vapores de uísque derramado logo deixaram o
porco-mamute cambaleando, as bochechas raiadas de lágrimas saindo
dos olhos em brasa, o muco borbulhando nas fuças destroçadas. Pulou
para a moita, deixando vovô Jake fazer o balanço dos danos à sua
pessoa. Ele se apalpou por toda parte, metodicamente, achando que
devia estar todo fodido, sangrando, mas tudo que encontrou foram dois
riachos de baba ao longo do lado direito dos eu corpo. E então, com
o choque, lhe veio a imagem: a visão do Cerra-Dente surgindo por
cima dele, dando guinadas no escuro com a cabeça imensa, mas velho,
bem velho, a pele murcha, as costelas ondulando, duas presas
faltando, arrebentadas à altura da linha do queixo, ou talvez
simplesmente caídas.
– Maldito
seja – resmungou vovô, cambaleando para se pôr em pé. – Ainda
bem que foi uma luta justa.
Acho que não conseguiria sair dessa se ele já não estivesse tão
gasto quanto eu.
Raspou
a lama o melhor que pôde na escuridão, e então se dirigiu para o
Claybourne. Estava satisfeito por não ter prosseguido a conversa com
Miúdo, tentando fazê-lo ver que Cerra-Dente talvez fosse o Sete
Luas, pois agora já não tinha tanta certeza disso. Johnny Sete
Luas, lembrou, teria parado para lamber o uísque derramado.
Não
contou ao Miúdo. Depois de pensar no assunto por três tardes,
matutando com aquela meticulosidade lenta e voluptuosa que é a
recompensa de uma vida tranquila, Jake reafirmou sua neutralidade.
Não contaria ao Miúdo a respeito de Cerra-Dente. E não contaria ao
Cerra-Dente a respeito do Miúdo. Decidido isso, voltou a atenção
para outros assuntos importantes, como
ensinar Fup a voar.
Jim
Dodge,
in Fup
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