Sr.
representante do Sr. governador do Estado
Senhoras
Senhores
Companheiros
da Associação Brasileira de Escritores.
Começo
agradecendo a hospitalidade que nos ofereceram em Porto Alegre. Isto
é lugar-comum: os habitantes desta cidade podem julgar que recebi a
tarefa de expor aqui salamaleques e cortesias. Não é verdade:
estamos realmente agradecidos. Não esperávamos tanto:
acomodar-nos-íamos de qualquer modo — e o que o Rio Grande do Sul
nos deu foi excessivo e nos sensibiliza.
Adiante.
O IV Congresso de Escritores se sentiu honrado e fortalecido com o
apoio do povo. Sem isso, nada teríamos podido fazer. Não nos
reunimos para lá de portas fechadas: as portas, durante uma semana,
estiveram abertas — e pedimos que toda a gente viesse trabalhar
conosco. Não somos vaidosos: aceitamos, com humildade, a colaboração
do homem da rua.
Cavalheiros
sabidos andaram a afirmar seguros, em jornais ricos, que somos uns
pobres-diabos, mais ou menos analfabetos. Paciência. Não nos
zangamos. Quando, no correr do tempo, essas grandes, essas enormes
suficiências perceberem que não temos propósitos subversivos,
descerão um pouco, chegarão até nós — e nos ensinarão qualquer
coisa. Não somos vaidosos, repito.
Ninguém
teve o intuito de jogar bombas em Porto Alegre. Desejaríamos fixar a
alegria que esse nome nos apresenta. Não estamos a serviço de
nenhuma potência estrangeira. Nunca diríamos ao gringo: “Entre,
tome conta disto. A casa é sua.”
Não,
meus amigos. A casa, pobre, é nossa. E denunciamos os traidores que
desejam vendê-la.
Enfim,
pequeninas calúnias, pequeninas infâmias, não nos atingem. O
Congresso, bem ou mal, deu conta do recado, provou ser possível
conseguirmos entendimentos para objetivo comum. Escritores de várias
tendências aqui se encontram — e, apesar de todo o veneno
espalhado lá fora, não houve barulho, graças a Deus. Estamos de
acordo.
Encontros
como este são indispensáveis, parece-me. Divergências, pontos
obscuros, equívocos, tudo afinal desaparece, tudo se explica. E
saímos com uma firmeza que não tínhamos quando chegamos. Amanhã
não nos separaremos: em Belém, no Rio, em São Paulo, em Porto
Alegre, continuaremos a trabalhar juntos.
Agridem-nos
por sermos políticos. Bela novidade. Claro que somos políticos.
Quiseram afastar-nos. Norte contra Sul; materialistas contra
idealistas; o realismo e o romantismo de mangas arregaçadas,
coléricos. Atiraram-nos uns aos outros. Para tal fim, utilizaram-se
diversos disparates. Termos nascido por acaso no Nordeste não é
razão para atacarmos o pampa e a planície amazônica.
Não
faremos isso. Nesta semana mostramos que não faremos isso. Política?
Perfeitamente. Nem só os idiotas e os malandros devem ocupar-se
dela. Resolveremos as nossas questões em família. Política?
Perfeitamente. É uma vergonha ouvirmos o que ouvi de um estrangeiro,
há pouco tempo, num banquete: “Façam isto, façam aquilo.” O
dedinho ameaçador: “Façam isto, façam aquilo.” Não. Faremos o
que acharmos razoável fazer. Seremos inimigos desse homem que nos
vem dar ordens, em língua estranha? De nenhum modo. Apenas desejamos
que ele não nos dê ordens. Já não somos crianças. Queremos viver
em paz com ele, viver em paz com a humanidade inteira.
Necessitamos
novas reuniões. Falar muito, discutir, brigar às vezes. Ótimo.
Sairemos dessa luta fortalecidos. Lá fora defenderemos os nossos
interesses e a cultura exígua de que somos capazes. Surgirão
descontentamentos, numerosos descontentamentos, é claro. Sempre
haverá quem diga de nós cobras e lagartos. Que fazer? Estamos
habituados, essas ofensas não nos perturbarão.
Agradecemos
especialmente à senhora Lila Ripoll, admirável mulher franzina que
realizou sozinha o trabalho de vinte homens fortes.
Graciliano
Ramos, in Garranchos (discurso
proferido por Graciliano Ramos, então presidente da Associação
Brasileira de Escritores (ABDE), no ato de encerramento do IV
Congresso da entidade, realizado em Porto Alegre, em setembro de
1951).
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