Já
fui gordo, bastante gordo. Temia me tornar um dos sujeitos mais
gordos — não digo do mundo, mas da cidade onde moro, pelo menos.
Todas as pessoas têm a sua paranoia, a minha era ser gordo. Por isso
fiz a tal cirurgia bariátrica. Hoje como uma azeitona e fico
saciado.
Decidi
fazer isso quando vi a relação das pessoas mais gordas do mundo.
Não vou fazer uma relação dos gordos mais gordos, apenas digo que
o mais gordo de todos se chamava... não vou dizer o nome dele, só
as iniciais, J.B., e pesava cerca de 600 (seiscentos) quilos. Esse
J.B. morreu com um edema generalizado ocasionado pelo excesso de
gordura. Quando vi a foto dele fiquei traumatizado. Ele se parecia
comigo. À noite sofri um horrível pesadelo: eu era o J.B. e não
conseguia subir na balança para me pesar; eu era a pessoa mais gorda
do mundo. Acordei tremendo de medo. Então fiz a bariátrica.
Pesquisei
para saber quem era o melhor especialista nesse ramo. Era um
cirurgião chamado doutor Alpendre.
“Doutor
Alpendre.”
“Alpenddre
com dois D, dois D. Com um D apenas é um galpão, uma coisa assim.”
“Entendi.
Mas eu vim aqui porque quero muito fazer a tal cirurgia bariátrica.”
“Quantos
quilos o senhor pesa?”
“Não
sei.”
O
doutor — não vou repetir o nome dele — tinha uma balança no
consultório.
Subi
na balança.
“Cento
e quarenta quilos. Espera, não, não, 145. Vamos ver sua altura...
Vou lhe dizer uma coisa, senhor...”
“J.B.,
quer dizer, meu nome é José.”
“Senhor
José. Metade das pessoas que fazem redução de estômago volta a
engordar parcialmente, e 5% ganha todo o peso de novo. Por isso, não
adianta apenas se submeter à cirurgia bariátrica: é preciso mudar
de hábitos e manter uma reeducação alimentar para o resto da vida.
A operação também deve ser a última alternativa para quem precisa
emagrecer — seja por obesidade mórbida ou por doenças associadas
ao excesso de peso. Ao contrário do que muita gente pensa, o
estômago de indivíduos gordos não é maior nem mais elástico que
o dos magros. Outra coisa, pessoas magras podem ser gordas por
dentro, devido à gordura que armazenam ao redor dos órgãos vitais,
coração, fígado, pâncreas. Essa gordura é mais perigosa do que
aquela que se aloja sob a pele. Vou ter que fazer uma série de
exames laboratoriais e outros.”
O
doutor — não vou repetir o nome dele — estava querendo ganhar
mais, como todo mundo, aliás. Mas eu não me incomodei com isso, sou
rico, tenho muito dinheiro.
Enfim,
o doutor — não vou repetir o nome dele —, depois de todos os
exames, disse que eu não era gordo por dentro, só por fora. E a
cirurgia foi realizada.
Em
pouco tempo emagreci mais da metade do meu peso. Tive que comprar
roupas novas, até sapatos; as pessoas pensam que o pé não
emagrece, emagrece sim.
Então
aconteceu algo perturbador. Antes, quando era gordo, eu entrava em
qualquer lugar público e as pessoas não me estranhavam. Quando
fiquei magro todo mundo me olhava. Demorei a perceber isso. Por
exemplo, quando ia a uma exposição de arte — além de gostar de
cinema eu gosto muito de pintura e artes plásticas em geral —, as
pessoas me olhavam à sorrelfa e sussurravam entre elas “olha ali
aquele caveirinha”.
Mas
isso não era o pior. Quando fui para a cama com uma... uma... como
diria, uma senhora, uma mulher, enfim, uma pessoa do sexo feminino,
eu não consegui realizar a intoductio penis intra vas. Existe
vergonha maior? Não, não, não existe. Quando eu era gordo isso
jamais aconteceu comigo.
Chega
de ser caveirinha, chega. Como disse o doutor — não vou repetir o
nome dele —, o estômago dilata.
Amanhã
vou comer uma feijoada completa: feijão-preto, carne-seca, lombo,
rabo de porco, orelha, chispes, paios, linguiça, um montão de
torresmo, toucinho defumado, couve cortada em tirinhas, laranjas
descascadas e várias pimentas-malaguetas.
Depois
de amanhã, vou comer dois quilos de rabada com polenta feita com o
melhor fubá misturado com manteiga e queijo.
Caveirinha
é o caralho!
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
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