A
claridade na cozinha vai morrendo com a tarde. A velha fecha a
torneira da pia, enxuga as mãos no avental e volta ao fogão. Espeta
uma fatia alongada de berinjela, deitando ágil uma das faces cruas
no óleo quente. O frigir recrudesce, espirra, e a velha, empunhando
ainda o garfo, afasta o corpo, notando num relance o marido parado
ali na entrada da sala para a cozinha.
“Que
que você está fazendo aí de chapéu na cabeça?”
O
velho sobe a mão ao bico do chapéu e descobre a cabeça.
“Não
vai tomar banho?”
“Andam
dizendo coisas por aí, Nita.”
“Que
novidade…”
“Andam
dizendo coisas” repete o velho.
A
velha se afasta do fogão e acende a luz. Fixa o marido.
“Desembucha
logo.”
“É
do nosso hóspede, não faz nem meio ano que ele chegou aqui e já
andam falando dele.”
“Pois
deixe que falem, não foi pra festejar esse moço que ele foi
hospedado nesta casa. É um pensionista como qualquer outro que
passou por aqui.”
“Isso
não é nada.”
“O
que que não é nada?”
“Estou
dizendo que tudo que você pode estar pensando não é nada em
comparação…”
“Vai
tomar banho, vai, em comparação com quê?”
“Nada.”
“Em
comparação com quê?” insiste a velha.
O
velho olha pro chapéu preso entre as mãos.
“Foi
lá no bar do Nonato, era só comentário, todo mundo estava falando
dele, até caçoaram de mim…”
“Não
é de hoje…”
O
velho volta a abaixar os olhos.
“Eu
pensei comigo, eles podem achar o que quiserem, só que estavam indo
longe demais em tramar coisas, eu disse.”
“Que
coisas?”
“Disse
que se ele não é dessas farras, é que…”
“Que
farras?”
O
velho se cala e continua olhando pro chão.
“Fala
claro, homem.”
O
velho gira lentamente o chapéu entre as mãos.
“Eu
disse que todo mundo estava enganado pelo menos numa coisa, é que
ele não queria prejudicar ninguém, eu disse que esse bacharel era
só um coletor zeloso e correto.”
O
velho se cala e a velha põe as mãos na cintura.
“Vai,
continua.”
A
velha olha de soslaio pra frigideira, mas logo encara de novo o
velho:
“Fala!”
“Já
tentaram subornar esse moço, Nita, e isso não é segredo pra
ninguém, só que ele não é sujeito de suborno, eu disse, não é
como outros que passaram por aqui e que se vendiam até por um trago
de fernete. Mas isso eles não querem entender, nunca que vão
aceitar isso, um funcionário público que cumpre seus deveres com o
estado e com o povo.”
“Quem
sabe se você não engoliu uma pérola…”
“Que
pérola, Nita?”
“Estou
falando da pérola que você acaba de vomitar. Te aturar a
inteligência…” diz a velha decepcionada, na certa não esperava
que o suspense descambasse em preocupação cívica. “Vai tomar
banho, vai. Hoje não é dia de trocar toalha, fica avisado.”
O
velho aperta as mãos na aba do chapéu, enquanto a velha se achega
do fogão, destampa uma das panelas, e logo se entretém com a
frigideira, onde deita mais uma fatia de berinjela. Vira-se pro
marido.
“Que
que você está esperando? Vai.”
O
velho não se mexe.
“Não
vê que preciso terminar a janta?” “Todos os dias a mesma coisa,
Nita, você não me respeita, nunca me respeitou, eu não vou pedir
respeito pras crianças da rua.”
“Era
o que faltava…”
“Você
nunca me respeitou.” A velha não responde, vira, na frigideira, a
fatia de berinjela, enquanto o velho continua olhando pro chapéu.
“Não
fica aí parado, eu já disse.”
O
velho se afasta calado, atravessa a sala, entra no quarto e fecha a
porta. A casa está quieta, só no fundo é que se agita, mas no
quarto, onde a penumbra vai cedendo à noite que avança, as
ressonâncias da cozinha chegam apagadas. O velho se desloca sem
acender a luz e logo senta na borda da cama. O chapéu ainda entre as
mãos, ele tomba a cabeça e se perde em pensamentos.
Quando
desperta do seu recolhimento, o quarto está em sombras. Ele vai até
a janela e mal divisa, através da cortina, uns restos de palidez na
linha do horizonte. No céu mais alto, o azul é quase escuro, mas a
noite, indecisa e fosca, ainda impede que a luz dos postes se
expanda. O velho vagueia os olhos quando nota o vulto parado na guia
do outro lado. Puxa um canto da cortina: de frente pra casa, a camisa
meio aberta, uma das mãos no bolso da calça, na outra um cigarro
entre os dedos, o sujeito vasculha o alpendre feito olheiro. Mas logo
atira o cigarro longe e se afasta num passo pausado. O velho o
acompanha, ultrapassa-o com os olhos e alcança, a meio quarteirão,
o V8 preto parado rente à calçada. O olheiro se aproxima do carro
sem acelerar o passo, até que se inclina junto à porta dianteira e
troca palavras com alguém no volante. Neste mesmo instante, uma
loira de vermelho, a blusa do vestido com decote avantajado, colo e
braços muito brancos, salta do banco traseiro como se procurasse
ventilação, despregando seguidamente com a ponta dos dedos o tecido
colado em parte à proeminência dos fartos seios. Parece repreendida
por ter saído, se enfiando logo no carro sem discutir. O olheiro se
inclina mais uma vez pro motorista, mas não demora em retornar, no
mesmo passo pausado, ao lugar em que se encontrava antes. Acende
outro cigarro, voltando a incidir os olhos no alpendre da casa.
O
velho solta o pano da cortina e as coisas lá fora ficam de novo
imprecisas. “Eles tramaram o quê?” murmura. “Mas tramaram o
quê?” repete e aperta as mãos.
A
velha abre a porta do quarto.
“Vem
jantar.”
O
velho não se mexe.
“Você
não tomou banho?” pergunta notando que ele veste a mesma roupa.
“Vão
acontecer coisas.”
A
velha acende a luz do quarto.
“Que
que andam dizendo por aí?”
“Já
disse que vão acontecer coisas.”
“O
quê?”
O
velho não responde.
“Vai
falar ou não vai?” grita a velha.
O
velho abaixa os olhos e se tranca, enquanto a velha aperta a boca,
vira as costas, apaga a luz e deixa o quarto, o andar agitado.
O
velho se detém assim que sai do quarto, pois no mesmo instante,
vindo do seu quarto de entrada independente, o jovem pensionista
entra quase sem ruído do alpendre pra sala. Sem ser notado, observa
o moço que se vira pra fechar a porta que acaba de transpor. Num
passo comedido, logo se descobre por inteiro pela claridade crescente
que invade a sala, parando timidamente a um passo da porta da
cozinha.
“Pode
entrar” diz a velha às voltas com travessas.
As
mãos enfiadas a prumo nos bolsos do paletó, o que lhe dobra os
braços, o pensionista avança mais um passo.
“A
comida está esfriando, pode entrar.”
O
pensionista ainda vacila, mas se aproxima da mesa.
O
velho sai do seu canto, atravessa a sala e entra na cozinha, ficando
a um passo do pensionista, que se acomoda na cadeira de costas pra
ele. Compenetrado, as mãos caídas, o chapéu preso pelas mãos,
como quem se coloca em sinal de respeito, parece até que ele assiste
a uma missa fúnebre enquanto observa o ritual do moço desdobrar o
guardanapo e estendê-lo sobre as pernas, uma desenvoltura que não
combina com sua timidez, uma timidez sem os traços de doçura do
simples acanhamento, antes caprichosa, de feição intratável, como
o burro de uma criança. Daí talvez, desde que chegou, seu silêncio
impermeável, e a reclusão que se impôs a cada noite, fechando-se
na cela do seu quarto.
O
velho atira então um anzol em busca do que poderia estar por trás
daquela solidão precoce, mas a palavra que procura se insinua, vem
quase à tona, o peixe se entremostra e, sinuoso, num isto afunda,
escapando-lhe. Demora depois o olhar sobre a nuca do bacharel, onde o
remoinho dos cabelos, rebelde, guarda um visível frescor infantil,
compatível por sinal com suas faces de menino, um tanto imberbes.
Do
outro lado da mesa, sentada de frente pro moço, o olhar há muito
erguido pro velho, uma mulher grande, matrona de cabelos anelados,
afeta indignação:
“O
senhor não nos diz boa-noite, s’Eugênio?”
O
velho não responde.
“O
senhor está tão esquisito!”
Recolhendo
os ares de pensionista mais antiga, a mulher de cabelos anelados
abaixa os olhos, descansando-os sonhadores sobre as mãos do moço à
sua frente, cruzadas contra a quina da mesa.
A
velha serve o terceiro prato de sopa e, curvando o corpo, coloca-o à
frente da cadeira vazia. Olha o marido:
“Você
não vai sentar?”
Fixa
contrariada o chapéu em suas mãos, mas se limita a um resmungo:
“Caduco”.
O
velho avança dois passos, se ajeita na cadeira de frente pra sua
mulher, e só então repousa no chão o surrado chapéu de feltro. A
velha se serve também de sopa, senta, e mergulha primeiro a colher
no prato. A matrona esquece seu êxtase momentâneo, colhido na trama
de olhares furtivos, e acompanha a velha. As mãos do moço se
descruzam sob o olhar perscrutador do velho, que aperta as próprias
mãos entre os joelhos, enquanto de olhos baixos não perde de vista
os movimentos do pensionista à sua direita.
“Você
não vai tomar a sopa?” recrimina a velha.
O
velho não responde, não ergue sequer a cabeça.
“Está
ótima!” comenta a pensionista antiga no intervalo curto entre duas
colheradas.
Não
se trocam mais palavras, o ruído é seco, incisivo. O carro deve ter
sido freado em frente ao portãozinho do jardim da casa. A colher do
moço, subindo, se interrompe, com ligeiro tremor, na meia altura.
Ele devolve, ainda cheia, a colher ao prato. A velha faz o mesmo,
antes porém sorve ruidosa o caldo. A pensionista, professora sem
constrangimento, não se perturba, sua colher sobe e desce
ininterrupta. Concentrada na sopa, tem atrás dos óculos as
pálpebras quase descidas, e é pros pelos negros, que brotam da
verruga ao lado do seu queixo, que parecem convergir os olhares.
O
ranger das tábuas no assoalho do alpendre chega à cozinha.
O
velho se põe de pé.
“O
que foi?” pergunta a velha.
“Você
não ouviu?” pergunta aflito o velho.
Sua
mulher faz um trejeito de descrença com uma ponta de escárnio,
enquanto o velho indaga ainda com os olhos a professora, que termina
imperturbável a sua sopa.
“Tanto
rato no porão, s’Eugênio…” diz ela afastando o prato.
O
ruído de um carro que zarpa fortemente acelerado encerra as
apreensões da velha:
“Foi
um automóvel” diz ela terminando sua sopa.
Antes
que a tensão se desfaça, e com voz sedutora, a professora engata um
comentário, sonhando talvez com doces recompensas:
“Já
disseram que o automóvel só serviu para acelerar o fim da nossa
espiritualidade.”
A
citação elevada se perde, o moço nem se mexe, só a velha é que
arregala os olhos, mas logo volta pro seu prato.
A
professora não desiste e continua exibindo sua elegância um tanto
ambígua ao subir com as duas mãos o guardanapo, aplicando-o em
pequenos toques contra a boca, como se fosse uma compressa. Ao mesmo
tempo seus olhos cheios de apetite se deslocam a contragosto,
trocando as mãos esculturais do moço pela fatia de berinjela no seu
prato. E não demora em ir ao cesto de pão, de onde colhe as três
únicas torradas ali existentes, encomendadas de costume pra sua
dieta.
De
pé até então, a cabeça talvez longe do que se passa na mesa, o
velho volta a sentar.
“Reconheço
só pelo arranque o carro dos que estão à minha caça, não aceitam
que eu contrarie seus interesses” diz de modo intempestivo o jovem
coletor, a voz firme, fazendo-se ouvir excepcionalmente naquela mesa.
“Não cedi a eles, quando se apresentavam como amigos, não me
vendi depois, quando se diziam realistas, tentam agora me difamar
como inimigo. Se não me dobrar a essa chantagem, matam” diz o moço
e se tranca.
A
velha arregala de novo os olhos, enquanto o mal-estar se instala
pesado na mesa. Se nem todos entenderam o que acabavam de ouvir,
sentiram pelo menos o que havia de grave, não se atrevendo depois
qualquer palavra ou gesto. Só a professora arrisca um olhar rápido
e, diante da assustadora palidez do moço, para de mastigar,
engolindo apressada todo o bolo alimentar. Berinjela frita e torrada
mal triturada lhe entalam na garganta, engasga e tosse sem parar. A
mão direita em concha cobre a boca, mesmo assim marca a toalha
branca com borrifos e salpicos, enquanto o guardanapo, preso pelas
pontas dos dedos da outra mão, acena confusamente. A velha se
levanta e socorre a professora, bate forte nas suas costas e lhe
aproxima um copo d’água. O velho e o moço ficam alheios à súbita
agitação, nem se mexem. A professora parece recompor-se ao arrancar
estertores do fundo da garganta. Leva finalmente o guardanapo aos
olhos lacrimejantes.
“Com
licença” mal consegue dizer, e retira-se pigarreando da mesa.
A
velha volta à cadeira, olha duramente o marido e se serve de
berinjela. Passa a travessa ao moço que se limita a esboçar um
sinal de recusa. Levanta-se mais uma vez, recolhe da pedra da pia um
dos quatro pratos feitos de sobremesa, colocando-o diante do
pensionista: “O senhor não pode ficar sem comer, coma pelo menos o
pedaço de mamão”.
O
moço não toca no prato, continua pálido, a cabeça erguida, um
adolescente enfezado em franco desafio. Ao notar a faísca que lhe
incendeia os olhos, o velho fica a um nada de balbuciar qualquer
coisa.
“Raiva”
diz o velho num puxão, entre dentes, como se acabasse de fisgar a
palavra teimosa que tanto lhe escapava, mas que se debate agora
inteira na sua boca. É como se chegasse com essa palavra ao nervo
daquele jovem. “Raiva!” repete em voz bem audível e sem
propósito aparente. E parece que sorri.
A
velha arregala pela terceira vez os olhos como se o mundo estivesse
definitivamente de pernas pro ar.
O
velho se levanta e a velha o interpela de boca cheia:
“Aonde
você vai?”
O
velho não responde. A velha engole a comida, afasta rudemente o
prato, e grita:
“Aonde
você vai?”
O
velho deixa a cozinha enxovalhado pelo escarcéu que sua mulher
apronta: derruba a cadeira quando se levanta, praguejando alto ao
recolher louças e talheres, como se atirasse tudo contra a bancada
da pia.
O
velho atravessa a sala e alcança o alpendre já anoitecido. Encosta
a porta, dando conta do silêncio que existe ali, e aspira fundo,
soltando todo o com a boca em bico, de alívio. Mas forte o perfume,
estranho e suspeito, espalhando-se pela atmosfera escura. Desloca-se
vagaroso pelo chão de tábuas, enquanto o perfume se insinua em
tudo: nas paredes, nas colunas de madeira enroladas por retorcidas
trepadeiras, na fantasia falha da balaustrada.
“Tem
um cheiro forte de perfume em nossa casa, Nita” murmura intrigado.
Do
alto da escada que leva ao jardim embaixo, enquadrado pelas duas alas
do alpendre, corre atentamente os olhos pelas folhagens que acobertam
a estridência de grilos. No pequeno canteiro circular, o cipreste
romano se ergue ereto e soturno no centro, com o ponteiro acima da
cumeeira da casa, quase indevassável à escassa luz que já se
expande do poste mais próximo. Nada balançaria suas ramas tesas
nessa noite de mormaço, mas um jogo apagado de sombra e luz tremula
suavemente na parede do fundo, onde duas portas dão acesso aos
quartos independentes dos pensionistas.
O
velho suspende a investigação, vai até o canto da ala que divisa
em nível bem mais alto com a rua, e se larga numa das cadeiras de
vime. Cruza as mãos, e de novo aspira fundo perfume.
Os
passos na calçada repercutem pausados no alpendre, se aproximam da
casa. O velho não se mexe. Os passos perdem o compasso junto ao
portãozinho de entrada pro jardim, mas logo são retomados no mesmo
ritmo. O velho se inclina pra direita e, através do espaço entre
dois balaústres, seus olhos quase se chocam com o mesmo olheiro, que
segue em frente sem apressar o andar. Sempre pausados, os passos se
afastam e desaparecem.
O
velho se encolhe quando o pensionista deixa a sala e, no alpendre, se
dirige para a ala dos fundos, paralela à rua. O moço passa pela
porta da professora, onde um risco de luz marca a soleira, e logo
alcança a porta de entrada do seu quarto.
Afundado
na cadeira, no outro extremo, o velho ouve primeiro o ruído discreto
da maçaneta se abaixando, vê a meia folha da porta se abrindo, e se
retesa quando a luz do quarto se acende sem ser acionada pelo moço,
paralisando-o no instante em que ele ia transpor a soleira. Antes que
recue, certa mão desenvolta surge pelo vão da porta e, alongando-se
num braço obscenamente branco de mulher, enlaça por trás a cintura
do moço, puxando-o pra dentro. E a mesma mão, sinuosa, fecha a
porta, trancando-a à chave. As mãos do velho estão agarradas aos
braços da cadeira. Do quarto da professora, chegam apagados os
pigarros de mais um acesso de tosse.
Novos
passos na calçada. O velho se põe de pé. Uma senhora, missal e
mantilha preta dobrada numa das mãos, se aproxima seguida de um
vira-lata. Cumprimentam-se. Pouco depois, o andar seguro, ela dobra a
esquina. Ninguém mais na rua, só o silêncio do alpendre. O velho
volta a sentar, descendo a mão espalmada pelo rosto, como se
enxugasse o suor desde o alto da testa. E estica então as pernas,
apoiando os pés no assento da cadeira em frente. Mole, distenso,
fecha os olhos. “Farras” murmura, e adormece.
“Tire
os pés da cadeira” ordena a velha. O velho abre assustado os
olhos.
“Recolha
os pés.”
O
velho retira os pés da cadeira, enquanto a velha senta.
Ele
conduz o olhar temeroso pros fundos: o alpendre ali está quieto e
escuro. Desapareceu o risco de luz na porta da professora, já
entregue na certa a seu sono solitário. Os dois voltam a se encarar,
quase se chocam com os olhos. O silêncio atento da velha cobra
duramente do marido uma palavra.
“Estão
acontecendo coisas em nossa casa” diz enfim o velho. A velha se
empertiga e seus olhos brilham no escuro.
“Que
que andam dizendo por aí?”
O
velho não responde.
“Me
diz.”
O
velho não responde.
“Conta,
homem.”
“Já
disse que estão acontecendo coisas em nossa casa.”
“O
quê?”
O
velho abaixa os olhos.
“Vai
falar ou não vai?” O velho se tranca e desvia os olhos pra rua,
enquanto a velha se ergue furiosa e arremeda o marido torcendo a voz:
“Andam
dizendo coisas por aí… Vão acontecer coisas… estão acontecendo
coisas em nossa casa… Peste de velho!”
Vira
as costas, abandona o alpendre e bate a porta da sala.
O
velho não se perturba, não perde a serenidade de agora. Nada no seu
semblante revela aflição, em nenhum dos seus traços transparece
qualquer comoção. Olha pro alto. O céu, como um fruto, está
maduro. E há em tudo um clima silencioso de espera.
Raduan
Nassar, in Obra completa
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