Jó e seus amigos (1869), de Ilya Repin
Os
amigos de Jó, ao fim de certo tempo, acharam que ele se comprazia em
sofrer e lamentar-se porque o Senhor o havia abandonado. Sentiam-se
enervados com a prantina infindável.
— É
preciso dar jeito na vida de Jó — dizia um. — Ninguém mais
suporta as suas lamentações. Vamos propor-lhe uma viagem ao país
de Tiro, onde ele se deleitará com as coisas belas e agradáveis
ofertadas pelo rei Hirão?
Jó
recusou o convite, alegando que não tinha amigos, e a proposta
visava sua perdição eterna. Trancou a porta a Elifaz, a Baldad e a
Sofaz, e continuou a dizer-se o mais desgraçado dos homens. A Morte,
que rondava, escutou-o. E sugeriu-lhe:
— Venha
comigo. Darei cura total a seus males.
— Muito
obrigado — respondeu Jó. — Não posso mais viver sem eles.
Desaprendi a alegria e, pensando bem, qualquer estado é sempre o
mesmo; todas as coisas são uma só e triste coisa. Deixe-me em paz,
isto é, em guerra comigo mesmo.
O
Senhor, ouvindo tamanho dislate, apiedou-se de Jó e restituiu-lhe as
graças e bens perdidos, mas Jó nunca mais foi o mesmo homem.
Conhecera o sofrimento, que lhe voltava em sonho.
Esta
versão, que contraria o livro clássico, foi divulgada pela terceira
filha de Jó, chamada Cornustíbia, a quem os cronistas da época não
concedem maior crédito, alegando que nascera de cinco meses e não
tinha a cabeça no lugar.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
Nenhum comentário:
Postar um comentário