Depois
da Independência, um programa de controle dos caudais dos rios foi
instalado em Moçambique. Formulários foram distribuídos pelas
estações hidrológicas espalhadas pelo país e um programa de
registro foi iniciado para os mais importantes cursos fluviais. A
guerra de desestabilização eclodiu e esse projeto, como tantos
outros, foi interrompido por mais de uma dúzia de anos. Quando a Paz
se reinstalou, em 1992, as autoridades relançaram o projeto
acreditando que, em todo o lado, era necessário recomeçar do zero.
Contudo, uma surpresa esperava a brigada que visitou uma isolada
estação hidrométrica no interior da Zambézia. O velho guarda
tinha-se mantido ativo e cumprira, com zelo diário, a sua missão
durante todos aqueles anos. Esgotados os formulários, ele passou a
usar as paredes da estação para grafar, a carvão, os dados
hidrológicos que era necessário registar. No interior e exterior,
as paredes estavam cobertas de anotações e a velha casa parecia um
imenso livro de pedra. Orgulhoso, o guarda recebeu os visitantes à
entrada e apontou para a madeira da porta:
— Começa-se
a ler por aqui, para ir habituando os olhos ao escuro.
“A
esperança é a última a morrer.” Diz-se. Mas não é verdade. A
esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é um
assassínio espetacular, não sai nos jornais. É um processo lento e
silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os olhos dos
meninos e nos ensina a perder crença no futuro.
O
episódio da estação hidrométrica passou a ser um dos alimentos do
meu sentimento de esperança. Como se me lembrasse que devo dialogar
com invisíveis rios e tudo em meu redor podem ser paredes onde eu
nego a tentação do desalento.
Mia
Couto, in E se Obama fosse africano?
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