O Violonista (1952), de Saul Steinberg
De
repente, meu amigo tentou liquidar a discussão, dizendo que bateria
não era instrumento de música.
– Como
não é instrumento de música? É instrumento de quê, então?
– De
jazz.
– E
jazz não é música?
– Música
para você: para mim não é.
– Toda
orquestra sinfônica tem bateria.
– Nem
por isso ela fica sendo instrumento de música. Toda orquestra
sinfônica tem maestro. Maestro é instrumento de música?
– Em
certo sentido, é.
– Ora,
deixa de conversa.
Discutíamos
por discutir, levados pela mais absoluta falta de assunto.
– Você
não entende de instrumento – meu amigo voltou à carga: – Se
entende, me diga uma coisa: o piano, por exemplo. O piano é
instrumento de corda ou de percussão?
Embatuquei.
Sempre tivera o piano na conta de instrumento de corda, ora pois. Mas
o diabo daqueles martelinhos lá dentro, percutindo nas cordas… De
percussão?
– De
corda – arrisquei.
– Não
senhor: de percussão — arrematou ele, triunfante, e chamou o
garçom com um gesto, pedindo outra cerveja.
Veio-me
a certeza de que se eu tivesse falado “de percussão”, ele diria:
“não senhor – de corda”. Agarrei-me à corda:
– Percussão
aonde, seu! De corda.
– Percussão.
– Corda.
Dali
partiríamos para os sopapos, se de súbito não tivesse entrado no
bar o violinista triste. Vinha mais triste do que nunca, o
violinista: andava apaixonado, sabia-se, e não era correspondido.
Foi sentar-se num canto, como sempre, pediu um conhaque.
Imediatamente o convocamos para a nossa mesa, e veio, olhos de vaca
mansa, trazendo seu cálice. Para ele tanto fazia sentar-se nesta
como naquela, ora dane-se! Estava apaixonado.
– Você
que é músico de verdade vai dizer aqui a última palavra: bateria é
ou não é instrumento de música?
– Piano
é instrumento de percussão ou de corda?
Mas
o violinista triste não queria saber de nada, muito menos de
conversa de botequim. Largou-nos um olhar desconsolado, soltou um
suspiro tristíssimo, ergueu-se, levando o cálice ao peito:
– E
o coração… É instrumento de sopro ou de percussão?
Fernando
Sabino,
in A mulher do
vizinho
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