Sudanesa
(ou Schuda) era assim: farta; debaixo de uma cobertura de duas águas,
de sapé grosso e dourado, ela vivia dentro de um quadro de estacas
bem plantadas, uma ao lado da outra, que eu nos primeiros tempos mal
ousava espiar através das frinchas; era numa vasilha de barro fresca
e renovada todas as manhãs que ela lavava a língua e sorvia a água,
era numa cama bem fenada, cheirosa e fofa, que ela deitava o corpo e
descansava a cabeça quando o sol lá fora já estava a pino; tinha
um cocho sempre limpo com milho granado de debulho e um capim verde
bem apanhado onde eu esfregava a salsa para apurar-lhe o apetite; a
primeira vez que vi Sudanesa com meus olhos enfermiços foi num fim
de tarde em que eu a trouxe para fora, ali entre os arbustos floridos
que circundavam seu quarto agreste de cortesã: eu a conduzi com
cuidados de amante extremoso, ela que me seguia dócil pisando suas
patas de salto, jogando e gingando o corpo ancho suspenso nas colunas
bem delineadas das pernas; era do seu corpo que passei a cuidar no
entardecer, minhas mãos humosas mergulhando nas bacias de unguentos
de cheiros vários, desaparecendo logo em seguida no pelo franjado e
macio dela; mas não era uma cabra lasciva, era uma cabra de menino,
um contorno de tetas gordas e intumescidas, expondo com seus
trejeitos as partes escuras mais pudendas, toda sensível quando o
pente corria o pelo gostoso e abaulado do corpo; era uma cabra
faceira, era uma cabra de brincos, tinha um rabo pequeno que era um
pedaço de mola revestido de boa cerda, tão reflexivo ao toque leve,
tão sensitivo ao carinho sutil e mais suave de um dedo; se
esculturava o corpo inteiro quando uma haste verde — atravessada na
boca paciente — era mastigada não com os dentes mas com o tempo; e
era então uma cabra de pedra, tinha nos olhos bem imprimidos dois
traços de tristeza, cílios longos e negros, era nessa postura
mística uma cabra predestinada; Sudanesa foi trazida à fazenda para
misturar seu sangue, veio porém coberta, veio pedindo cuidados
especiais, e, nesse tempo, adolescente tímido, dei os primeiros
passos fora do meu recolhimento: saí da minha vadiagem e, sacrílego,
me nomeei seu pastor lírico: aprimorei suas formas, dei brilho ao
pelo, dei-lhe colares de flores, enrolei no seu pescoço longos
metros de cipó-de-são-caetano, com seus frutos berrantes e
pendentes como se fossem sinos; Schuda, paciente, mais generosa,
quando uma haste mais túmida, misteriosa e lúbrica, buscava no
intercurso o concurso do seu corpo.
Raduan
Nassar, in Lavoura arcaica
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