sábado, 4 de julho de 2020

La petite



Com o preço da carne do jeito que está, não se ouve mais aquela frase que geralmente vinha depois de “precisamos nos ver”:
Vamos fazer um churrasquinho lá em casa!
Por “churrasquinho” se entendia alguma coisa informal, um pretexto para bermudas e papo, sem maiores gastos e compromissos. Um churrasquinho não envolvia planejamento prévio, convites antecipados ou muita frescura.
Claro, havia os grandes churrascos. Daqueles em que o assador começava o dia exercitando os dedos e fazendo invocações a Santa Gertrudes, padroeira das carnes. Mas, normalmente, o churrasquinho era o protótipo da sem-cerimônia.
Não mais.
Hoje um convite para churrasquinho na casa de alguém provoca comentários.
Eu não sabia que eles estavam tão bem...
Ou:
Essa mania de ostentação...
Ou:
Iiih. Aí tem ACM...
E o convite não pode mais ser feito, assim, na rua, na base do “leva a patroa”. Não demora, convite para churrasco vem impresso. Com “R.S.V.P.” no fim.
O sr. e a sra. F. de Tal convidam para ‘grillés en brochette’ e saladas...”
Ou, ainda mais imponente:
Para um ‘grillade sur braises avec de la farine de manioc à la graisse’...”
Uma relação dos pratos a serem servidos pode muito bem acompanhar o convite.
Les grosses saucises
Les coeurs de poule
Les côtes de boeuf
La picanhá
Le cupin
Le matambre farci
La salade d’oignon et tomate
Les pommes de terre sauce mayonnaise”
O que pode dar confusão é o item “aperitifs”:
Que diabo é isto aqui?
Deixa ver... “La petite femme rustique”.
O que é?
— “La petite femme rustique”... Bom, “femme” é mulher.
— “Petite femme...”
Mulherzinha.
— “Rustique”, rústica.
Mulherzinha rústica?
Caipirinha!
E na sobremesa:
Confiture de goyave avec du fromage”.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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