terça-feira, 30 de junho de 2020

Inconvenientes nos serviços públicos


Veja o que acontece quando se confia nos cronópios. Mal fora nomeado Diretor-geral de Radiodifusão, aquele cronópio chamou uns tradutores da rua San Martin e os fez traduzir todos os textos, anúncios e canções para o romeno, língua não muito popular na Argentina.
Às oito horas da manhã os famas começavam a ligar seus aparelhos, ansiosos de ouvir os jornais falados, bem como os anúncios do Geniol e do Azeite Cozinheiro que é de todos o primeiro.
E ouviram, mas em romeno, de modo que só compreendiam a marca do produto. Profundamente assombrados, os famas sacudiram os aparelhos mas tudo continuava romeno, até o tango Esta noche me emborracho e o telefone da Direção-geral da Radiodifusão era atendido por uma moça que respondia em romeno às ruidosas reclamações, com o que se estabelecia uma confusão dos diabos.
Ciente do fato, o Supremo Governo mandou fuzilar o cronópio que assim manchava as tradições da pátria. Por infelicidade o pelotão era integrado de cronópios alistados, que em vez de atirar no ex-Diretor-geral mandaram bala em cima da multidão concentrada na Plaza de Mayo, com tão boa pontaria que acertaram seis oficiais de Marinha e um farmacêutico. Acudiu um pelotão de famas, o cronópio foi devidamente fuzilado e nomearam para seu lugar um distinto autor de canções folclóricas e de um ensaio sobre a matéria cinzenta. Esse fama restabeleceu o idioma nacional no rádio, mas acontece que os famas haviam perdido a confiança e quase não ligavam os aparelhos. Muitos famas, pessimistas por natureza, haviam comprado dicionários e manuais de romeno, assim como também vidas do rei Carol e da senhora Lupescu. O romeno tornou-se moda apesar da cólera do Superior Governo, e ao túmulo do cronópio chegavam furtivamente delegações que deixavam cair lágrimas e cartões de visita, onde proliferavam nomes conhecidos em Bucareste, cidade de filatelistas e atentados.
Julio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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