“Nós
estávamos sentados naquela mesa, nervosos, tristes, e descobrimos um
novo mundo que nos fez esquecer aqueles sentimentos.”
Orhan
Pamuk
“A
psique é extensa e nada sabe.”
Sigmund
Freud
Portanto,
no início está a recepção e a voz. Ler, apropriar-se dos livros,
é reencontrar o eco longínquo de uma voz amada na infância, o
apoio de sua presença sensível para atravessar a noite, enfrentar a
escuridão e a separação. Como para essas crianças no hospital,
que dizem ouvir, enquanto dormem, a voz da pessoa que leu histórias
para elas durante o dia. Ou para Florence, em missão humanitária em
Ruanda, que enfrenta, dia após dia, o sofrimento dos sobreviventes
do genocídio, reacendendo o luto que ela mesma conheceu. Quando está
no quarto de hotel, ou à noite, antes de dormir, ela lê: “Nunca
estive tão só como então. Quando não tinha mais livros, estava
perdida. Comprei um livro, retomei o prumo. Era alguém, uma presença
viva, como quando à noite meus parentes me telefonavam. Uma voz
humana. Era físico, uma presença. Eu estava como que com um amigo,
uma amiga, e já não esperava”.
Como
escreve Pascal Quignard: “Diz-se que os dois primeiros medos,
pré-humanos, estão relacionados à solidão e à escuridão. Nós
amamos poder fazer surgir à vontade um pouco de companhia e de luz
artificial. São as histórias que lemos e que à noite trazemos
entre as mãos”. Ou Variam Chalámov: “[...] os livros são
também um mundo que não nos trai nunca”. Mesmo sozinhos, o
interior de nós mesmos estaria ocupado; ao longo da vida inteira, é
possível se fazer acompanhar.
Ler
é também tornar-se autônomo: o livro é feito de signos, de
linguagem, do registro simbólico que os psicanalistas situam mais do
lado do pai, de uma terceira instância separadora. E o ato de chegar
à leitura é, às vezes, descrito como a incorporação de algo que
é próprio da mãe, em que o pai, ou o ser amado pela mãe, aquele
com quem ela sonha, sem dúvida não está ausente. E dizer o quanto,
para o psiquismo, aquilo que é apropriado tem um status complexo,
heterogêneo.
Michèle
Petit, in A arte de ler: ou como resistir à adversidade
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