Nas
primeiras semanas de recuperação, ficou evidente que Fup era uma
pata diferente. Recusava-se a comer ou cagar na casa. Bamboleava até
a porta, piando freneticamente e batendo o bico como um pica0pau
deformado, até que alguém a deixasse sair.
Seu
apetite era onívoro e imenso. Panquecas, queijo, milho, carne de
veado, cascas de cebola, o que lhe dessem era devorado. E como comia,
crescia. Em quatro meses pesava dez quilos. Vovô Jake, partidário
de excessos de qualquer tipo, ficou tão impressionado que convidou
os vizinhos para vê-la.
– Puta
que pariu – murmurou Willis Hornsby enquanto Fup engolia meio quilo
de linguiça e começava a enfiar para dentro uma lata de cevadinha.
– Não
há problema com o comedor dela, né – vovô sorriu radiante. –
Vai atrás de comida como um aspirador de pó empenado.
Willis
sacudiu a cabeça:
– Nunca vi coisa igual.
– Me
faz achar que devia chamado ela de Electrolux – opinou Jake. –
Ou, diabos, melhor ainda, Dolly P.
– Dolly
P.? Perguntou Willis. – Parece nome de arco de pesca.
– Hã.
Dolly Pringle. Uma ruivona com quem eu rodava lá em Coos Bay. Uma
mulher de talentos incríveis. Conseguia chupar uma bola de golfe
através de 25 metros de mangueira de jardim. Vi ela chupar até
gasolina com sifão ladeira acima. Você talvez não acredite, mas
ganhei uma aposta de mil dólares de Dave Stevens, o Grandão, numa
noite em que saímos com a Dolly pro estacionamento e ela chupou todo
o cromado da bola de engate de um trailer
em 14 minutos e 32 segundos.
Vovô
suspirou com um amor desamparado.
– Só
de pensar naquela mina, meu velho pau estremece.
– Melhor
esperar que a pata não te veja – murmurou Willis, observando Fup
atacar as últimas migalhas de cevada.
Foi
um aviso sensato, pois Fup provou ser tão feroz quanto esfomeada.
Antes, quando ainda dava para ser pesada em gramas, tinha se
aventurado a acompanhar vovô numa tarde de
bebericos na varanda. Buster, um cão de caça geralmente comatoso,
acuou-a para baixo do sofá verde esfarrapado onde ela, disparando,
procurou abrigo. Quando o cachorro finalmente se rendeu a vovô, que
lhe socava a cabeça, e se arrastou até a varanda choromigando para
adormecer, Fup, com um único QUUUAAAAAA de camicase, atacou de seu
esconderijo e apertou o bico, como alicates eternos, nos testículos
de Buster, segurando-os ferozmente enquanto o cão uivante girava em
círculos tentando abocanhar o animalzinho de 250 gramas que se
balançava no seu saco. Vovô gargalhou tanto que teve de engatinhar
até a varanda da frente e bater com a cabeça no chão para parar.
Além
do apetite e do mau humor, Fup se distinguia pelo andar e pelo falar.
Seu andar era bobamente gracioso, um gingado meio curvado ara a
frente que mal a sustentava em pé, um bamboleio contínua e
precariamente equilibrado pelo pescoço estendido para a frente, a
cabeça balançando como uma serpente encantada: um movimento como
que entre um rastejar sem jeito e uma busca hipnótica. Era
desajeitada e, ainda assim, sem esforço algum, prosseguia com seu
bamboleio inabalável. Impulso movido pela massa, porém, seus pés
palmípedes, de um laranja vivo, não eram feitos para tal
velocidade, e, apesar de seu progresso ser certo, sempre parecia
duvidoso, e sempre carregava uma melancólica contradição entre a
biologia e o terreno. Não mostrava absolutamente inclinação alguma
para voar.
Seu
falar era direto, se por falar se queira dizer uma resposta sônica
ou somática ao meio ambiente. Seu vocabulário era pequeno, mas
rico. Um quá indicava concordância. Dois, relacionamento. Três
significavam aprovação sincera. Quatro ou mais –
emitidos em séries agudas e excitadas:
qua-uaq-uaq-uaq-uaq-uaq – indicavam
a concordância total e alegre. Se abrisse o bico sem fazer som
algum, gesto mais ou menos entre um bocejo entediado e uma tentativa
de vômito, significava discordância profunda; se isso fosse
acompanhado de um som baixo e sibilante, com a cabeça abaixada e as
asas levemente abertas, indicava discordância profunda e ataque
iminente. Se enfiasse a cabeça debaixo da asa, você, o assunto e o
resto do mundo enfadonho estavam dispensados.
Jim
Dodge, in Fup
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